Ronnie Lessa diz em delação à PF que lucraria R$ 100 milhões com a morte de Marielle: ‘A gente ia criar uma milícia nova’
Pela primeira vez, em vídeo, o ex-sargento da Polícia Militar, Ronnie Lessa, detalha como recebeu a proposta, que ele chama de “sociedade”, dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, que resultou no homicídio da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. Em sua delação premiada, obtida com exclusividade pelo Fantástico da TV Globo, o assassino confesso da parlamentar explica que Domingos lhe ofereceu um loteamento, ou seja, um mini bairro, em Jacarepaguá, na Zona Oeste, para explorar serviços como gatonet, transporte alternativo e outros. O lucro estimado seria de R$ 100 milhões. Para o matador de aluguel, a morte da vereadora seria o grande “negócio” da vida dele. Mas, para isso, era preciso retirar “uma pedra no caminho”: Marielle. Os citados na delação negam as acusações.
Segundo Lessa, Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, disse a ele que a escolha do nome da então vereadora foi porque ela orientava as pessoas a não aderirem aos novos loteamentos das milícias. Lessa conta que Domingos justificou: “Marielle vai atrapalhar, tem que sair do caminho”. Leia trechos da delação à PF e aos MP federal e estadual.
Morte em troca de um lucro milionário
“Eu falei ‘não, a gente tem que matar’. Não tem problema. Eu aceitei de cara sem saber até quem é.”
“Não é uma empreitada, pra você chegar ali, matar uma pessoa, ganhar um dinheirinho… Não!”
“Era muito dinheiro envolvido; na época ele falou em 100 milhões de reais o lucro dos dois loteamentos. São quinhentos lotes de cada lado. É uma coisa grande, são ruas, na verdade é um mini bairro. É uma coisa gigantesca, então a gente tá falando de muita grana.”
Na delação, Ronnie Lessa assume que aceitou fazer parte do plano de assassinar a vereadora Marielle Franco, proposto pelos irmãos Brazão, mandantes do crime, segundo ele. Em troca, ganharia dois loteamentos em Jacarepaguá, que renderia mais de 20 milhões de dólares em lucro, equivalente a R$ 100 milhões.
“Eu tive com eles por três ocasiões. O Domingos falava mais e o Chiquinho concorda. É uma dupla, um fala mais e outro só concorda.”
A defesa de Domingos Brazão diz que não existem elementos e provas que sustentem a versão de Lessa. Já a de Chiquinho afirma que a delação é uma desesperada criação mental na busca por benefícios e que são muitas as contradições, fragilidades e inverdades.
Criação de milícia para gerar votos em eleições
“A gente ia assumir, na verdade, ia criar uma milícia nova.”
“A questão valiosa ali é depois, é a manutenção da milícia, que vai trazer voto.”
A proposta, segundo Lessa, não era apenas de matar a vereadora, mas sim de criar uma nova milícia na Zona Oeste da cidade, através da ocupação ilegal da área. Os lucros viriam da exploração de sinal clandestino de internet e televisão, de gás residencial e de serviços de transporte. O delator não diz quando o empreendimento ilegal aconteceria, mas afirma que seria um dos donos, com um poder criminoso que se refletiria até em eleições.
A Polícia Federal informou no relatório que, após apurar informações por meio de fontes abertas, humanas e material apreendido no curso das apurações, não foi possível encontrar evidência concreta de planejamento de alguma ação no sentido de ocupação na área.
Marielle foi colocada como pedra no caminho
“Não fui contratado para matar Marielle como um assassino de aluguel. Fui chamado pra uma sociedade.”
“A Marielle vai atrapalhar e nós vamos seguir, e pra isso ela tem que sair do caminho.”
Lessa afirma que a vereadora se tornou alvo dos criminosos porque a parlamentar teria convocado reuniões com várias lideranças comunitárias de bairros da região, para que não houvesse adesão a novos loteamentos da milícia. Essa informação, segundo o assassino, foi passada por Domingos Brazão, em um dos três encontros que teve com os mandantes do crime.
Rivaldo abandonou os irmãos Brazão
“Eles (irmãos Brazão) estavam inconformados, porque o Rivaldo estava pulando fora; o Rivaldo virou as costas; e o Rivaldo alegou que não tinha mais como segurar, fugiu da alçada dele.”
O delator revela que o conselheiro Domingos Brazão contou que o ex-chefe de Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, recebeu para protegê-los após o crime. O grupo chegou a dizer, segundo Lessa, que Rivaldo “está redirecionando e virando o canhão para outro lado”. Mas a situação teria mudado com a saída do delegado do cargo. A defesa de Rivaldo informou que seu cliente nunca teve contato com os supostos mandantes.
Freixo também tinha sido considerado alvo
“Em 2017, ele veio com um assunto relacionado com Marcelo Freixo. (…) É uma coisa bem ampla, pesada, que mexe com partidos. (…) Fui tirando isso da cabeça dele. Aí ele aceitou, não cobrou mais. Ali foi talvez a nossa primeira entrada com relação a crime.”
O matador afirma na delação que os mandantes chegaram a citar outro político como alvo. Marcelo Freixo, hoje presidente da Embratur, era deputado estadual quando presidiu uma CPI que investigou as milícias no Rio de Janeiro. A Polícia Federal conseguiu confirmar que Ronnie Lessa fez pesquisas online sobre políticos ligados ao PSOL na época, incluindo o então deputado.
Lessa questiona supostos mandantes sobre a arma
“Se batia de frente com a questão de devolver a arma; eu falei: que loucura é essa? Isso é um tiro no pé. Como é que você guarda uma arma, que é a arma que foi usada no crime que tá chamando atenção dessa forma?”
O ex-sargento da PM conta que pediu uma arma aos irmãos Brazão para executar Marielle, embora ele próprio tivesse as dele. Como o matador de aluguel costuma descartar o armamento usado nos assassinatos, ele não queria perder nenhuma de seu uso pessoal. No entanto, a ordem dos políticos era a de que a metralhadora HK MP5, usada no crime, fosse devolvida. Lessa discordou, mas acabou cedendo à exigência.
Fonte: O Globo