12/12/2024
Campos

O melancólico fim do Arquivo Público Municipal

Por Douglas da Mata

Não é coincidência, aliás, nada é.

Como disse a personagem do filme Matrix, o Merovíngio: “onde todos vêem coincidência, eu vejo consequência.”

Lá pelos idos de 1999/2000, fiz parte da equipe de Lenílson Chaves Jr, quando ele ocupou a presidência da Fundação Cultural “Jornalista Oswaldo Lima”.

O governo era de Arnaldo Vianna, na época aliado de Anthony Garotinho.

Enquanto a cidade destinava milhões para contratos e cachês de shows, as políticas públicas de cultura mais baratas e de “menor repercussão” eram relegadas a um segundo plano.

Tudo certo, afinal, são escolhas políticas, e quem faz alianças a elas se submete.

Pois bem, Lenílson era uma usina de ideias, um cara inquieto, uma força da natureza, mas sempre com sorriso no rosto e um humor cortante, às vezes até mal interpretado.

Estive perto para assistir sua luta e criatividade para multiplicar os caraminguás de um orçamento desidratado, para uma fundação primo pobre, como quase sempre acontece com a cultura.

Foi com ele que nasceu a primeira Bienal, tendo Ziraldo como criador da primeira logomarca, e como integrante ativo do “cast” de escritores, onde eu me lembro de Afonso Romano de Sant’anna, Frei Beto, dentre outros.

Outra luta dele foi a recriação das casas de cultura, nas antigas estações ferroviárias da Rede Ferroviária Federal, depois privatizada, a FCA.

Lenílson tinha apreço especial pelas liras e bandas centenárias, e tentou criar um calendário fixo de apresentações, para dar fôlego àquelas manifestações musicais, bem como se engajou para restaurar a sede incendiada da centenária Lira de Apolo.

Algumas lutas tiveram sucesso, outras não.

Mas lutou todas.

Fiz essa longa e sentimental introdução para falar do Arquivo Público.

Poucos sabem que a esmagadora maioria daquele acervo estava apodrecendo nos porões da então biblioteca municipal Nilo Peçanha, incluindo aí exemplares raros dos jornais da cidade, fontes históricas preciosas.

Foi na gestão de Lenílson que começaram as tratativas para transferência desse rico material para a UENF, através da pró-reitora de extensão da UENF, professora doutora Lana Lage da Gama Lima.

Só então a ideia de um arquivo, com a sua sede no Solar do Colégio, tomou corpo, e foi indicado como primeiro diretor o professor Carlos Freitas, que ali esteve por bom tempo.

Todo esse tempo a ideia da preservação da memória campista obteve o mesmo solene descaso, não importando a cor ideológica dos gestores, se mais inclinado para esquerda ou para direita.

Talvez seja a hora de dizer:

É o fim do Arquivo Público Municipal.

Quer dizer, dessa concepção de arquivo vinculada a FCJOL e a UENF.

Infelizmente, ele morreu não (só) por falta de verbas, mas antes por falta de compromisso com a imperiosa necessidade de se arquivar, tratar e destinar documentos.

Esta é uma atividade que acompanha a humanidade desde que aprendemos a rabiscar coisas em alguma parede de caverna ou papiro.

É preciso retirar a arquivologia municipal da seção de cultura, em primeiro lugar.

Outra medida urgente é afastar a UENF o quanto antes.

Arquivo é matéria afeita à ciência, aos direitos humanos, ao campo de estudos jurídicos, enfim, não é um enfeite estético ou um produto cultural em senso estrito, ainda que possa também cumprir esse papel residual.

Geralmente, os arquivos públicos no mundo se vinculam aos setores de justiça, ou de ciências, ou de administração e patrimônio.

Guardar documentos é coisa séria, é um testamento às gerações vindouras, que poderão saber como cargas d’água nós construímos o que lhes foi entregue, para aproveitar os sucessos e evitar repetir erros.

A generosa verba de 20 milhões para restauração do prédio do arquivo, e a inércia de uma universidade que se encontra atolada em um lodo institucional sem precedentes, são a prova de que o acessório segue o principal, ou seja, se o arquivo está por conta da UENF, seu destino é a ruína.

A UENF deixou de ser o que se propunha faz muito tempo.

Ela é hoje a traição viva àquilo que seus idealizadores imaginavam.

Virou uma mera replicadora de modismos “de inovação”, repositório de narrativas tipo “coach”, e certificadora de diplomas e titulações.

Não tem, como comprovado, capacidade de gerir nada, e muito menos de propor algo.

Portanto, é chegada a hora de falar menos e agir mais.

Se a prefeitura e o atual prefeito têm a intenção de resolver o problema cabe, em caráter de urgência, pedido à justiça para que a secretaria de obras possa executar a restauração, e o repasse venha dos fundos estagnados na poça uenfiana da incompetência.

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