Interceptação da Lava Jato RJ revela deslealdade no pagamento de propina - Tribuna NF

Interceptação da Lava Jato RJ revela deslealdade no pagamento de propina

Dinheiro apreendido na Operação Favorito e Filhote de Cuco

A operação “Filhote de Cuco”, braço da Lava Jato no Ministério Público Estadual do Rio, deflagrada no mesmo dia da operação Favorito, revela em suas interceptações deslealdade no pagamento do repasse de propina.

A operação investiga o suposto superfaturamento em contratos do governo do Estado com Organizações Sociais responsáveis pela administração das  UPAs – Unidades de Pronto Atendimento de Bairro Botafogo, Cabuçu, Campo Grande I, Campo Grande II, Lafaiete, Magé, Mesquita, Queimados, Santa Cruz e Sarapuí.

A Filhote de Cuco não teve a mesma repercussão devido a operação Favorito, que prendeu Mário Peixoto. Nessa operação foi alvo  o suposto operador de Mário Peixoto, Luiz Martins, que foi flagrado em interceptação da operação Favorito chamando o governador de “Zero 1 do Palácio”. Na operação foram apreendidos em sua residência cerca R$ 1,5 milhão.

Além de Luiz Martins, foram alvos dessa operação Luciano Demarchi, Lisle Rachel, Carla dos Santos, Leandro Braga e outros que aparecem na interceptação.

Durante as investigações da Filhote de Cuco o Ministério Público identificou nas interceptações telefônicas e telemáticas uma discussão devido a um imprevisto: um novato deu uma volta nos veteranos do suposto esquema em R$4.900.

O “sumiço” do valor gerou uma longa discussão, levando até a suspeita de que alguém do banco teria pegado o dinheiro:

“CARLA BRAGA tenta obter explicações junto aos funcionários que providenciaram o saque em espécie, LETICIA FERREIRA e ANDRÉ CAMPOS25:
CARLA – LETÍCIA?
LETÍCIA – Oi!
CARLA – Quanto é que você tirou no banco?
LETÍCIA – O quê?
CARLA – Eu mandei vocês tirarem quarenta e nove e novecentos e ele tá
dizendo que vocês só entregaram quarenta e cinco.
LETÍCIA – Não. Quarenta e nove e novecentos! Eu dei o cheque lá.
CARLA – Você entregou quarenta e nove e novecentos?
LETÍCIA – Com certeza! Tava eu o ANDRÉ. Eu entreguei quarenta e nove e
novecentos.
CARLA – Tá. Esse filho da puta tá dizendo que foi só quarenta e cinco.
Beleza!
LETÍCIA – Não. Foi quarenta e nove e novecentos. Conferimos eu, o MÁRIO
e o ANDRÉ lá dentro do banco.
CARLA – LETÍCIA, ele tá falando que ele… ele acabou de abrir, só tem
quarenta e cinco.
LETÍCIA – Não.
CARLA – E vocês entregaram o negócio, e não fizeram o cara conferir.
Agora eu vou me fuder e pagar 4.900 reais.

LETÍCIA – Não tinha como… não tinha como conferir, a gente tava na porta
do Rei do Bacalhau.
CARLA – Então meu bem, então meu bem, o banco te roubou, ou o
camarada te roubou. Porque ele disse que ele tem uma fazenda no
nome desse cara que pegou o dinheiro. Eu vou ter que me fuder em
4.900 reais amanhã pra pagar ele.
LETÍCIA – Não, mas não tem como isso, gente! A gente fez operação,
quarenta e nove! A gente tava junto lá, o papel tava com ele!
CARLA – Você quer que eu faça o que? Ele tá dizendo que ele deslacrou o
envelope, eu acredi…
LETÍCIA – Não tinha envelope!
CARLA – Quando tinha o… camaradinha aí, esse… que vivia com a HILDA,
nunca teve problema, correto?
LETÍCIA – Entendi.
CARLA – Agora, veio esse novato aí, teve problema. Eu já fiz essa operação
não sei quantas vezes, tá me entendendo? E agora ele quer 4.900
amanhã. E tá dizendo que o banco roubou vocês, porque ele não vai
ter coragem de acusar vocês pra mim.
LETÍCIA – Não, mas a gente não… Eu entrei junto com o MÁRIO, cara, eu e
ANDRÉ.
CARLA – Agora… conferir cédula por cédula, eu não quero saber! Eu vou me
fuder em 4.500 reais… 900 reais amanhã! Tá? Ele tá dizendo que não
tem, que só foi quarenta e cinco e que eu comi o dinheiro dele.
LETÍCIA – Entendi. E não foi envelope, tá? Foi dentro de um saco.
CARLA – E ele tá dizendo que foi no saco que deslacrou. Quando
deslacrou, deslacrou na frente do LEANDRO, só tinha quatro cinco.
Eu quero que você passe amanhã, dez horas na manhã, naquele
banco! Eu quero microfilmagem, eu quero o que, o que for, eu quero!
Eu quero tudo! Eu quero meus 4.900 reais! Que não é meu e eu não
vou entrar nesse prejuízo não, LETÍCIA! Não vou!
LETÍCIA – Entendi.

Após explicar a situação para seu cônjuge ALEX DE SOUZA 26, ambos ponderam que LETÍCIA FERREIRA e ANDRÉ CAMPOS já faziam usualmente a entrega de dinheiro em espécie, sem ocorrência de incidentes, enquanto LEANDRO BRAGA teria enviado um “personagem novo” no lugar de ISAÍAS GOMES
FARIA. Este diálogo adquire especial relevância no momento em que CARLA BRAGA admite que estaria realizando operações dessa natureza (entregas de dinheiro em espécie para LEANDRO BRAGA) desde que começou a prestar serviços para o INSTITUTO DATA RIO (ou seja, desde abril de 2016, data de assinatura do contrato entre
DORVILLE REFEIÇÕES e o IDR):

Às 09:00:07 do dia seguinte à entrega do dinheiro (09 de março de 2018), CARLA BRAGA manteve novo contato telefônico com LEANDRO BRAGA, através do aplicativo Whatsapp, com duração de 01:32 minuto. Na sequência, CARLA BRAGA repassa com sua funcionária LETÍCIA FERREIRA a dinâmica do saque de R$ 49.900,00, a qual assegurou que não teria havido erro por parte do Banco Bradesco, pois o dinheiro foi conferido numa sala reservada na agência. CARLA BRAGA resolve, então, que não pretende mais realizar operações de entrega de dinheiro em espécie para LEANDRO BRAGA DE SOUSA:

CARLA – Vamos lá! Presta atenção: é….vamos seguir o raciocínio aqui.
LETÍCIA – Hum…
CARLA – Vocês chegaram no banco. Vocês foram pra alguma sala particular,
alguma coisa?
LETÍCIA – Fomos sim. Porque a gente tava lá pro lado da gerência. A gente
não pegou nada diretamente na boca do caixa.
CARLA – Não foi na boca do caixa?
LETÍCIA – Não, não.
CARLA – Aí você foi…lá naquele lá do gerente?
LETÍCIA – Do gerente…diretamente com o MÁRIO.
CARLA – Na mesa dele?
LETÍCIA – Isso.
CARLA – Aí ele foi e trouxe o dinheiro?

LETÍCIA – Ele levou a gente pra uma sala mais reservada porque lá tava
muito cheio.
CARLA – Vocês contaram o dinheiro no banco?
LETÍCIA – Sim.
CARLA – Então não adianta ir no banco reclamar. Vocês …
LETÍCIA – Exatamente. Vai acontecer que vai expor também a empresa lá.
(…)
CARLA – Vocês contaram tudinho, né?
LETÍCIA – Exatamente. A gente não vai deixar…não vai deixar furo não.
CARLA – Contaram no banco? Então, não pode ser erro do banco?
LETÍCIA – Não foi. Você quer que eu ligue pro banco?
CARLA – Mas vai falar o quê? Se você conferiu o dinheiro?
LETÍCIA – Aí o MÁRIO vai falar. Não, você conferiu junto comigo aqui.
CARLA – Ahhhh, não tem que ligar. Não adianta ligar pro banco.
LETÍCIA – Uhum.
CARLA – Nem adianta ir no banco. Se vocês conferiram o dinheiro lá na
mesa, não adianta. Vocês conferiram, não adianta. Não adianta ir no
banco.
LETÍCIA – Ontem o ALEX falou comigo que realmente não, não foi o banco.
Que isso jamais iria acontecer. E que era pra ver uma outra maneira
de fazer o pagamento desses negócios, porque….ou diretamente com
o LEANDRO. Que não sei o quê, que esse cara aí…
CARLA –
LETÍCIA – Eu nem sei quem é ele.
CARLA – Nâo, o LEANDRO me ligou agora. Falou que o cara que pega as
filhas dele, que leva e traz eles na escola. E daí? O HILDO também fazia
isso com as gêmeas, né? Ih… até aí, foda-se! Foda-se! Aí o LEANDRO
tava achando que o erro era do banco. Hora nenhuma ele falou de
vocês não.
(…)
LETÍCIA – Mas, CARLA. Se você quiser, pode descontar do nosso salário….
CARLA – Não. Eu não quero descontar nada de vocês. A gente só tem que
saber como é que a gente vai fazer isso das outras vezes. Na verdade, a gente não vai fazer porra nenhuma. Eu vou fazer limite de tudo em boleto e não vou botar mais reserva nenhuma pra ele.
LETÍCIA – Melhor ainda. Pra ele eu não faço mais não. Mas até vou com
SANDRA…
CARLA – Nunca deu problema em Magé. Nunca deu problema.
LETÍCIA – Nunca.
CARLA – Nunca.
LETÍCIA – Agora pra eles eu não faço mais não.
CARLA – Não. Tá. Tudo bem.

Alguns minutos depois, CARLA BRAGA avisa a sua funcionária LETÍCIA FERREIRA que assumirá a dívida de R$ 5.000,00.

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