15/02/2025
Política

Estado do Rio tem déficit de meio milhão de moradias, pior patamar desde 2016

Do pequeno cômodo, nos fundos de um cortiço na Rua Senador Pompeu, na região central do Rio, vem o aroma de boa e simples comida caseira. Mal passa do meio-dia e Jorge Luiz do Nascimento, de 67 anos, prepara o trivial: frango, arroz e feijão. Experiente com as panelas, ele trabalhou a vida inteira em espaçosas cozinhas industriais. Desta vez, no entanto, a refeição é feita no quarto mesmo, o único espaço disponível. Esse é um dos tipos de casa abordados no estudo conduzido pela Fundação João Pinheiro (FJP) que aponta déficit habitacional de 544.275 domicílios no estado do Rio — o maior desde 2016. O trabalho aponta variados graus de deficiência em moradias fluminenses.

O documento, divulgado nesta quarta-feira pela FJP — instituição de pesquisa e ensino vinculada à secretaria estadual de Planejamento e Gestão de Minas Gerais que, desde 1995, realiza o cálculo no país —, leva em consideração três modalidades de domicílio: habitações precárias, entre as quais as improvisadas e rústicas; as enquadradas como “ônus excessivo”, onde a renda total é de até três salários-mínimos e o gasto com moradia, especialmente aluguel, consome mais de 30% dos ganhos; e a coabitação, que engloba famílias vivendo nas chamadas casas de cômodos ou “unidades domésticas conviventes”, caracterizadas pela existência de mais de uma família na mesma habitação em situação de aglomeração.

É o caso de Jorge Luiz. No cortiço onde vive, além de improvisar a cozinha no próprio quarto, ele compartilha o banheiro e um pequeno tanque com outros três inquilinos. Ao lado, em outra área da vila, com aluguel um pouco mais barato, mais de vinte quartos são servidos por dois banheiros. Embaixo, há ainda quitinetes.

— Vivo aqui há 10 anos, a gente se adapta, não tem jeito, mas é claro que seria mil vezes melhor morar numa casinha só minha, com mais espaço e uma cozinha bem arrumada — diz o aposentado.

PNAD como base
No déficit total de mais de meio milhão de domicílios do Rio, 409.640 estão concentrados na Região Metropolitana. O Rio, em números absolutos, ocupa a terceira posição no país, atrás apenas de São Paulo e Minas Gerais. O relatório tem como base números de 2022 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do IBGE, além de dados do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). O conceito de déficit habitacional trabalhado pela FJP não contempla pessoas em situação de rua, devido à inexistência de dados a esse respeito nas pesquisas que baseiam o estudo.

— É importante lembrar que esses números de 2022 ainda trazem um reflexo do período da pandemia de Covid-19, com impacto no desemprego, por exemplo — observa Frederico Poley, pesquisador da FJP e coordenador do estudo.

Para o pesquisador, a solução do problema vai além da simples construção de novas unidades:

— A questão habitacional brasileira não é trivial e vem se arrastando há muitos anos. Os caminhos passam por aumentar a oferta de habitação de melhor qualidade, especialmente para as camadas mais pobres da população, mas também por oferecer melhor infraestrutura, por exemplo, de transporte, para que as pessoas sejam estimuladas a optar por locais com aluguéis mais baratos, por exemplo. Não é só construir casa.

O número de unidades que se encaixam no conceito de coabitação adotado pela FJP no estado chega a 114.197, o que representa 21% do total. A ocorrência do chamado ônus excessivo também cresceu e é responsável pela maior parte do déficit apurado: são 319.785 mil domicílios nessa situação, ou 59% do apurado. Já as habitações consideradas precárias deram um salto de 52.126, em 2016, para 110.293, em 2022. Dessas, 97.457 ficam na Região metropolitana. O estudo chama a atenção para o fato de o Rio ser um dos cinco estados do país com mais de 100 mil domicílios nessa categoria — os outros são Pará, Maranhão, Bahia, Minas Gerais.

Ocupação no Centro
No conceito de domicílios precários adotado pela FJP, podem ser incluídas ocupações como a Zumbi do Palmares. No local — um antigo prédio do INSS abandonado há décadas entre a Avenida Venezuela e a Rua Coelho e Castro, no Centro, não muito longe do cortiço onde vive Jorge Luiz —, dezenas de famílias vivem em condições visivelmente longe das ideais.

A classificação de habitações improvisadas obedece aos seguintes parâmetros: as improvisadas são locais, conforme base do CadÚnico, que “não têm acesso a serviços básicos de abastecimento de água, energia elétrica, saneamento ou coleta de lixo, configurando uma situação de extrema vulnerabilidade”, e podem estar localizados em “prédios ou casas abandonadas, construções, acampamentos em áreas rurais, ou em áreas públicas como barracas, tendas, etc”. Os domicílios rústicos, segundo a PnadC, têm como definição construções com materiais precários em que predominam paredes externas feitas de “taipa sem revestimento, madeira aproveitada e outros materiais precários”.

Para Raquel Ludermir, diretora de Políticas Públicas da organização da sociedade civil Habitat para a Humanidade Brasil, o agravamento do déficit habitacional tem relação com o abandono de políticas públicas.

— Passamos por um período de desmonte da política urbana no país. Houve cortes drásticos de orçamento, de 98%, no programa principal de provisão de moradias, que na época passou a se chamar Casa Verde e Amarela. Não se priorizaram as populações de mais baixa renda. Os dados da FJP mostram que é onde está a principal concentração do problema — observa.

A secretaria estadual de Habitação de Interesse Social (Sehis) informa que o programa Habita+ entregou 381 unidades habitacionais e outras 2.181 estão em construção. A Sehis também realiza cadastro para moradias do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, com “chamamentos públicos que visam a construção de 1.394 moradias”. Há ainda “outras 664 que aguardam o atendimento das convocações”, diz em nota.

Com informações do GLOBO.

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