‘Empreiteiro das milícias’: saiba quem é o major citado por Lessa como responsável por construções irregulares na Grande Jacarepaguá
Novos trechos da delação de Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle Franco e Anderson Gomes, trazem mais detalhes da atuação de um policial militar nos bastidores do mundo do crime: o major Ronald Paulo Alves Pereira, preso há cinco anos por comandar uma milícia na Zona Oeste do Rio.
Segundo Lessa, ele é o responsável por grande parte das construções irregulares da Grande Jacarepaguá, o empreiteiro por trás de tudo.
“Eu não sei se ele tem isso no papel, mas o Ronald é um dos maiores construtores daquilo ali. Todos aqueles prédios de Rio das Pedras, Muzema, Tijuquinha, tem que passar pelo crivo do Ronald. O Ronald é o construtor”, diz Lessa.
Lessa diz que seria o major o responsável por construir os condomínios Medelín 1 e 2 pretendidos pelo grupo no bairro do Tanque. O haras ao qual o delator se refere era dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão.
“O Ronald estaria na incumbência de fazer a parte que ficaria pra eles, que é Medelín 1, tá? Atrás do haras. O nosso lá, se quiséssemos os serviços de pavimentação, de urbanização em geral, de esgoto, de tudo, seria com o Ronald. Porém, teríamos que esperar ficar pronto o Medelín 1, os 500 lotes prontos lá, tudo calçado, iluminado, ruas prontas, calçadas prontas, e loteado pelo topografo, tá? Tudo isso aí não é feito assim, não é uma coisa desorganizada, eles tentam organizar o máximo pra que? Pra depois que eles aproveitarem os projetos de lei que eles vão fazer”, falou o delator.
Fraude em títulos de posse
O assassino confesso da vereadora detalha como os milicianos invadem terrenos para exploração comercial e quais os métodos para fraudar os títulos de posse das áreas.
“Então, se eu cismar de entrar numa terra hoje, e não houver resistência, em 15 dias eu já mando fazer um documento. Não tem resistência, ninguém apareceu, primeira coisa, limpa o terreno. Quando limpar o terreno, se existe um dono e ele não mandou limpar, esse dono vai mandar alguém ver ‘quem é que tá mexendo no meu terreno?’ Isso é óbvio. Então, quando você limpa, primeiro passo da grilagem, limpou o terreno. Ninguém mexeu, ninguém botou a cara? Tu continua. Aí tu começa a botar cerca de arame farpado.”
O papel de Ronald como construtor da milícia não foi alvo das investigações, porque como a própria Polícia Federal diz e o RJ2 comprovou no local, nada foi construído.
O major da PM foi investigado por outra situação — ele é acusado de ter monitorado os passos de Marielle Franco, nas semanas anteriores ao crime. Mas a participação dele ainda não está esclarecida.
A PF analisou as antenas de celular em um dos monitoramentos e afirma que no dia 6 de março de 2018, o deslocamento do major é compatível com a agenda de Marielle, que estava na Universidade Cândido Mendes.
O mapa da investigação mostra o endereço da universidade, e duas antenas acusam o celular do Major Ronald a cerca de 3 km dali, na região do Sambódromo.
A TV Globo apurou que o celular dele passou a tarde inteira onde o mapa indica. Não era na Universidade Cândido Mendes. Ele estava no Centro de Comando e Controle do Estado.
A reportagem obteve fotos que comprovam que ele participou de um curso no CICC, das 13h às 19h38. A Polícia Federal não indiciou o major pelo crime.
No relatório, a PF diz que “não foram encontrados, até o presente momento investigativo, elementos aptos a corroborar as declarações de Ronnie Lessa.”
A investigação traz informações que mostram intensa comunicação entre o Major Ronald e os envolvidos na morte, mas faz a ressalva de que o passar do tempo impossibilitou a checagem mais aprofundada de dados.
Mesmo sem o indiciamento pela PF, ele foi denunciado pela Procuradoria Geral da República. A participação de Ronald se deu por meio do monitoramento das atividades de Marielle e do fornecimento aos executores de informações essenciais à consumação dos crimes, diz a Procuradoria na denúncia.
A PGR avaliou que havia no inquérito elementos que mostravam a relação de Ronald com integrantes da milícia em Jacarepaguá e com os irmãos Brazão.
O elo entre Major Ronald e a família Brazão seria Laerte Lima Silva, homem, que segundo Lessa, seria o infiltrado do grupo no Psol. Ainda de acordo com a delação, ele seria o responsável por monitorar os passos de Marielle.
“O nome desse espião seria Laerte, que é uma pessoa do Rio das Pedras, que eu soube se tratar de um miliciano, uma pessoa responsável por várias atividades da milícia lá, tá? E essa pessoa trazia informações para os irmãos, com relação ao Psol em si, não somente em relação à Marielle.”
A PF, no entanto, não indiciou o suposto infiltrado. Ele não também não foi denunciado.
O que dizem os citados
A defesa de Domingos Brazão vem afirmando que não existem elementos que sustentem a versão do assassino confesso e que não há provas da narrativa apresentada.
O advogado de Chiquinho Brazão também diz que a delação de Lessa é “uma desesperada criação mental na busca por benefícios e que são muitas as contradições, fragilidades e inverdades.”
A defesa de Laerte da Silva informou que causa estranheza a elevada credibilidade que se tem atribuído às declarações de um réu confesso. E em especial quando à PF, no relatório final, afirma inexistirem provas sobre a participação de Laerte no ocorrido.
O advogado do Major Ronald também disse que não teve acesso aos autos, mas ressalta que se trata de uma fábula criada por um matador profissional para obter benefícios judiciais.
Sobre o fato de o Major Ronald não ter sido indiciado pela PF, e sim denunciado pelo MPF, o órgão alegou que há no processo elementos que embasam as declarações de Lessa no sentido de que Major Ronald era o responsável pelo monitoramento de Marielle. E que no dia do crime, repassou aos executores informações necessárias ao homicídio.
Fonte: G1