À CPI, vendedor reafirma pedido de propina de um dólar por dose de vacina - Tribuna NF

À CPI, vendedor reafirma pedido de propina de um dólar por dose de vacina

O policial militar e também representante comercial Luiz Paulo Dominguetti confirmou à CPI da Covid, no Senado, a denúncia de que o ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Dias pediu propina de US$ 1 por dose de vacina. No depoimento, Dominguetti também tentou incriminar o deputado Luis Miranda (DEM-DF), exibindo na CPI um áudio em que o parlamentar aparece falando da compra de um produto farmacêutico. Ao depor, o PM primeiro disse que Miranda estava negociando vacinas, depois, recuou e alegou que não tinha mais certeza. O relato do depoente acabou levando a CPI a aprender seu celular.

Dominguetti tinha se apresentado como representante da Davati Medical Supply — que diz ser intermediária na venda da vacina AstraZeneca — e denunciou um suposto esquema de propina no governo em entrevista publicada ao jornal “Folha de S. Paulo”. O depoimento do vendedor estava originalmente marcado para sexta-feira, mas foi antecipado por decisão do colegiado.

Dominguetti disse que a primeira proposta para a venda da vacina era de US$ 3,5 por dose, o que não incluía a propina pedida. Questionado sobre a quem fez a proposta no ministério, ele disse que levou a oferta a Roberto Dias, o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis, Lauricio Monteiro Cruz, e ao secretário-executivo Elcio Franco. De acordo com ele, o encontro com Elcio Franco foi intermediado por Laurício.

— Quando estivemos com o senhor Elcio Franco, o que nos espantou foi: uma oferta de 400 milhões de doses, e ele não tinha conhecimento dessa proposta. Ou seja, ele [Dias] não tinha avançado ou informado ao ministério, segundo Elcio Franco, dessa proposta. Ela foi novamente validada. Elcio Franco me perguntou pessoalmente com quem eu deixei essa proposta. Eu disse que tinha um outro coronel que não me recordava. E eu disse a ele que com o Roberto Dias houve uma troca de olhares. Ele baixou a cabeça, simplesmente saiu, pediu que dois estagiários pegassem nossos nomes, que entraria em contato. Ele recebeu e-mails pedindo que essa proposta comercial tivesse avanço — disse Dominguetti.

Questionado como foi o pedido de propina, ele afirmou:

— Disseram: “A vacina naquele valor não seria adquirida.” “Vou tentar desconto.” “Não, é pra cima, é pra mais.” Eu disse que não teria como fazer. O clima da mesa mudou. E logo se encerrou o jantar. No final: “pensa direitinho que vou te levar amanhã ao ministério”.

Ao término da fala do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM) inquiriu o policial acerca dos valores das transações.

— Se houvesse conseguido vender as 400 milhões de vacinas para o governo brasileiro, o senhor seria remunerado como? — perguntou o senador.

— Um pró-labore da Davati — respondeu.

— Qual era?

— Por porcentagem. A Davati paga para todos os envolvidos, o Cristiano e a parte técnica também, US$ 0,20 por dose. Então, eu acredito que receberia, em média, de US$ 0,03 a US$ 0,05 por dose. Isso é o que está no mercado — disse Dominguetti.

No total, a transação poderia render de US$ 12 milhões a US$ 20 milhões a Dominghetti, segundo os valores apresentados à CPI. O policial também afirmou que não sabe por quanto a Davati, suposta intermediária da AstraZeneca, pagaria por dose ao laboratório.

Deputado Luis Miranda

No início do depoimento Dominguetti disse que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) procurou a Davati para negociar a vacina.

— Eu tenho a informação de parlamentar tentou negociar a busca de vacina diretamente, eu tenho essa informação. A informação que eu sei é um, inclusive com áudio dele tentando negociar a vacina com o ministério — disse o depoente.

Perguntado sobre quem foi, ele disse:

— O que depôs aqui fazendo acusações contra o presidente da República. Procurou a Davatti, se não me engano [procurou] o Cristiano, inclusive tentando negociar a compra de vacina.

Luis Miranda e o irmão dele, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, falaram na CPI na sexta-feira da semana passada. Eles disseram que houve pressão na pasta para liberar a importação a Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biotech, e tiveram um encontro com Bolsonaro relatando o caso.

Ao GLOBO, Miranda negou ter qualquer conhecimento da existência da empresa Davati Medical Supply. Diz que nunca tratou sobre vacinas com Dominguetti ou com qualquer outra pessoa.

— É mentira, lógico que não. Eu nunca falei sobre vacinas. Não sei nem quem é (Dominguetti). Estou começando a achar que esse cara foi enviado por (Jair) Bolsonaro para fazer denúncias mentirosas.

Após ser citado, o deputado foi até a sessão e precisou ser expulso da sala.

Vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) determinou a apreensão do celular de Dominguetti após a apresentação do áudio com o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que denunciou supostas irregularidades na compra de vacinas junto ao irmão, o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda. A mensagem de voz, que teria sido recebida em 24 de junho, será periciada pela Polícia Legislativa e disponibilizada a todos os senadores.

Dominguetti sustentou que o parlamentar teria tentado negociar a compra de vacinas com a Davati. Depois, ao ser questionado por senadores, afirmou que não tinha certeza. Miranda não cita a palavra “vacina” ou “imunizante” no áudio, fala em “produto” e “carga”.

Durante a confusão após a apresentação do áudio, o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), reclamou:

— Só para concluir, lá na nossa região, chapéu de otário é marreta e jabuti não sobe em árvore. O senhor está sob juramento. Está certo? Não venha achar que aqui todo mundo é otário.

— Pateta — acrescentou Eliziane Gama (Cidadania-MA)

— Nem pateta. Veja bem qual é o seu papel aqui. Veja qual é o seu papel aqui. Do nada, surge um áudio do deputado Luis Miranda, está certo? Chapéu. Do nada, surge um áudio do deputado Luis Miranda, tá certo? Chapéu de otário é marreta, irmão — continuou Omar.

Pedido de prisão

O senador Fabiano Contrato (Rede-ES) defendeu a prisão em flagrante de Dominguetti, com base no artigo 342 do Código Penal, que diz ser crime “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral”.

— Essa testemunha foi plantada. Está em situação flagrancial do artigo 342. Tem que dar voz de prisão — disse Contarato.

Senadores governistas contestaram.

— Com base em que fala isso? — perguntou Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.

— Plantada por quem? — questionou Marcos Rogério (DEM-RO).

Negociação com ministério

Segundo o vendedor, ele foi apresentado a Dias pelo coronel da reserva do Exército Marcelo Blanco, que ocupava cargo no Ministério da Saúde.

— Na verdade, o coronel Blanco já vinha há dias fazendo essas tratativas entre a Davati com Roberto Dias. Eu não tinha o contato, nunca conversei com o Roberto Dias por telefone, por WhatsApp… As tratativas eram (entre) Roberto Dias, o Blanco e o Cristiano, CEO da Davati. Até que o coronel Blanco sugeriu uma vinda minha e do Cristiano a Brasília para se tratar especificamente dessa aquisição.

Ele disse que Roberto Dias não citou os nomes do então ministro Eduardo Pazuello nem de Franco.

Antes, Dominguetti falou sobre o entrave na negociação por causa de Dias:

— Eu não acredito que ele tinha como facilitar. Nunca foi buscada essa facilidade por parte do Roberto. Foi sempre colocada uma oferta justa, uma oferta comercial para o ministério. (…) Essa facilidade não ocorreu porque ele sempre pôs o entrave no sentido de que, se não se majorasse a vacina, não teria aquisição por parte do ministério — disse o policial.

Ele disse que não houve pedido de antecipação de pagamento ao Ministério da Saúde.

A tropa de choque do governo tem o reforço na sessão desta quinta-feira do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Flávio não é integrante da CPI, mas vem aparecendo em algumas reuniões para defender o governo do pai.

Representação da Davati

Dominguetti, que não fez uso dos 15 minutos a qual tem direito para discursar, disse que teve um acordo verbal com o representante da Davati no Brasil, Cristiano Alberto Carvalho, para atuar em nome da empresa junto ao Ministério da Saúde.

— Havia um acordo inicial verbal com o CEO da Davati no Brasil, o Cristiano, em que eu tinha o consentimento dele para que representasse a Davati — disse.

Segundo ele, foi Cristiano quem pediu a Herman Cárdenas, presidente da Davati, com sede nos Estados Unidos, a inclusão dele na negociação com o Ministério da Saúde.

— Cristiano que pediu ao Herman minha inclusão.

Ao GLOBO, Cardenas confirmou que Dominguetti foi incluído como intermediário da negociação com o Ministério da Saúde, mas disse que ele não é representante da companhia no Brasil.

— Estou ciente disso. Nos disseram para inclui-lo, mas ele não estava nos representando. A Davati não tinha conhecimento de quem ele era, então presumimos que ele era representantes deles — disse Cárdenas ao GLOBO.

Oferta de vacinas

Questionado pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), como a empresa conseguiria oferecer tantas vacinas quando havia escassez do produto no mundo, ele respondeu:

— A informação que nós tínhamos era que o dono da Davati, Herman, tinha acesso a locadores do mercado que eram os proprietários dessa vacina. Tanto que ele, sob pena de perjúrio da proposta comercial, ofereceu ao governo brasileiro.

A Davati ofereceu uma remessa de 400 milhões de doses da AstraZeneca ao Ministério da Saúde.

Ida ao ministério

Dominguetti afirmou que foi ao Ministério da Saúde no dia seguinte que teve o encontro no restaurante com autoridades da pasta, onde teria acontecido a oferta da propina.

— Depois do encontro foi agendada a minha ida ao ministério no outro dia. Chegando lá, fui recebido por Roberto Dias na sala dele.

Antes, no início da sessão, Dominguetti afirmou ter ido ao ministério negociar vacina:

— Eu estive três vezes no ministério ofertando vacinas.

E explicou que trabalhava nesse tipo de negócio para complementar renda:

— Sou cabo da Polícia Militar e, como complementação de renda, comecei a atuar no mercado de insumos.

O vendedor é ouvido no lugar de Francisco Maximiano, empresário investigado no caso Covaxin que conseguiu no Supremo Tribunal Federal (STF) o direito de permanecer em silêncio.Integrantes da CPI avaliaram que, após a decisão do STF, não valia mais a pena manter a sessão com Maximiano pelo risco de se repetir o ocorrido com o empresário Carlos Wizard, que, nesta quarta-feira, valeu-se da mesma prerrogativa concedida pelo Supremo para não responder às perguntas feitas pelos senadores. A mudança no calendário foi oficializada na noite desta quarta-feira.

Fonte: Extra*

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