STF anula decisão na operação “fake news” contra jornalistas no MT
A Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, anulou a decisão do Desembargador responsável pelo Núcleo de Inquéritos Policiais do TJMT, nesta sexta-feira (12). A decisão cassada permitiu buscas e apreensões de aparelhos eletrônicos e computadores dos jornalistas Alexandre Aprá, Enock Cavalcanti e Marco Polo de Freitas Pinheiro, em um inquérito aberto pela Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Informáticos (DRCI), pelo então delegado titular da DRCI, Ruy Guilherme Peral da Silva a pedido do Governado do Estado de Mato Grosso, Mauro Mendes (UNIAO).
A Ministra alertou que o Desembargador ignorou entendimento do STF e agiu como órgão de censura aos jornalistas.
“…AO DETERMINAR BUSCA E APREENSÃO DE COMPUTADORES E TELEFONES DE JORNALISTAS, A QUEBRA DE SEU SIGILO TELEMÁTICO E A RETIRADA DE PUBLICAÇÕES JORNALÍSTICAS DE SÍTIOS ELETRÔNICOS, A AUTORIDADE RECLAMADA AFASTOU-SE DO COMANDO VINCULANTE EMANADO DESTE SUPREMO TRIBUNAL NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL N. 130, REVELANDO CENSURA JUDICIAL INCOMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.”
Cármem Lícia entendeu que o magistrado inibiu a atividade democrática do desempenho da função de informar, garantia consolidada na Constituição Federal de 1988:
“…AO DETERMINAR O JUÍZO BUSCA E APREENSÃO DE COMPUTADORES E CELULARES DE JORNALISTAS E IMPOR A SUPRESSÃO DE MATÉRIA DE CONTEÚDO JORNALÍSTICO E INFORMACIONAL, PODE-SE FRUSTRAR O DIREITO À LIBERDADE DE IMPRENSA E EXPRESSÃO, INIBINDO-SE ATIVIDADE ESSENCIAL À DEMOCRACIA, COMO É O DESEMPENHO JORNALÍSTICO POLÍTICO E INVESTIGATIVO, CERCEANDO-SE, ILEGITIMAMENTE, A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE INFORMAR E SER INFORMADO E DE NÃO SE SUBMETER A IMPRENSA A CENSURA”.
A Ministra ainda atentou ao fato do procedimento utilizado pelo delegado da DRCI Ruy Guilherme Peral da Silva, e catada pelo Desembargador do TJMT, não ser usual para estes casos, devendo ser adotadas outras providencias, se for o caso, em ação própria ou direito de resposta.
“…EVENTUAIS ABUSOS NO EXERCÍCIO DO DIREITO DE EXPRESSÃO JORNALÍSTICA E DO DIREITO À LIBERDADE DA IMPRENSA SÃO SOLUCIONADOS A POSTERIORI POR DIREITO DE RESPOSTA OU INDENIZAÇÃO, SE FOR O CASO.”.
“COMO SE VÊ, O MAGISTRADO FUNDAMENTOU O ATO DECISÓRIO NA CIRCUNSTÂNCIA DE QUE OS RECLAMANTES DIVULGARAM INFORMAÇÕES ‘VENTUALMENTE INVERÍDICAS’E TAMBÉM RESSALTOU SOBRE OS POSSÍVEIS DANOS CAUSADOS À IMAGEM DE AUTORIDADES POLÍTICAS. OCORRE QUE EVENTUAIS DANOS SOFRIDOS PODERÃO SER COMPENSADOS POR MEIO DE INDENIZAÇÃO, TENDO EM VISTA QUE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DESFRUTA DE UMA POSIÇÃO PREFERENCIAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO, POR SER UMA PRÉ-CONDIÇÃO PARA O EXERCÍCIO ESCLARECIDO DOS DEMAIS DIREITOS E LIBERDADES. (…) ASSIM, O AFASTAMENTO DA LIBERDADE JORNALÍSTICA E DE EXPRESSÃO, BEM COMO O SIGILO DAS FONTES É MEDIDA EXCEPCIONAL, O QUE NÃO SE VERIFICA NO CASO DOS AUTOS”
Na decisão há forte crítica quando a utilização do judiciário, quem tem por prerrogativa a garantia de direitos, para impor censura aos meios de comunicação.
“SEJA REALÇADO QUE, SE A CENSURA É CONSTITUCIONALMENTE VEDADA, COMO O É, DE FORMA EXPRESSA, PIOR SERIA A CENSURA JUDICIAL, PORQUE ATENTA CONTRA DIREITO FUNDAMENTAL QUEM DEVERIA SE RESPONSABILIZAR PORGARANTI-LOS E CONTRA A CONSTITUIÇÃO O PODER ENCARREGADO DE GUARDÁ-LA.”.
A Ministra deixa claro que o sigilo de fonte é garantia constitucional e que é proibido ao judiciário descumprir a norma.
“…A APREENSÃO DE EQUIPAMENTOS ELETRÔNICOS UTILIZADOS POR JORNALISTAS NO EXERCÍCIO DO DEVER DE INFORMAR PODE RESULTAR NA REVELAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS DURANTE O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO JORNALÍSTICA, QUE ANTECEDE A DIVULGAÇÃO DA NOTÍCIA, ALÉM DE EXPOR A FONTE DA INFORMAÇÃO, CUJA IDENTIDADE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DETERMINOU FOSSE RESGUARDADA. AO PODER JUDICIÁRIO NÃO É CONFERIDA AUTORIZAÇÃO PARA DESCUMPRIR A NORMA CONSTITUCIONAL ASSECURATÓRIA DAQUELE SEGREDO.”.
A final, arremata:
“…JULGO PROCEDENTE A PRESENTE RECLAMAÇÃO PARA CASSAR A DECISÃO PROFERIDA PELO JUÍZO DO NÚCLEO DE INQUÉRITOS POLICIAIS –NIPO DA COMARCA DE CUIABÁ/MT NO PROCESSO N. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, DETERMINANDO OUTRA SEJA PROFERIDA COM INTEGRAL RESPEITO AO DIREITO DE INFORMAR E SER INFORMADO E À LIBERDADE DE IMPRENSA, AFASTADA QUALQUER FORMA DE CENSURA, MENOS AINDA A JUDICIAL. PUBLIQUE-SE, RESGUARDANDO-SE AS PECULIARIDADES INERENTES AO SEGREDO DE JUSTIÇA POSTO NESTE PROCESSO. BRASÍLIA, 11 DE ABRIL DE 2024. MINISTRA CÁRMEN LÚCIA RELATORA”.
Fonte: FENAJ e Sindicato dos Jornalistas do MT