Roberto Moraes na série “Campos dos Goytacazes: entre becos e saídas” - Tribuna NF

Roberto Moraes na série “Campos dos Goytacazes: entre becos e saídas”

Por Marcos Pedlowski

Roberto Moraes Pessanha (ou simplesmente Roberto Moraes) é engenheiro elétrico formado pela Universidade Santa Úrsula (USU), e possui título de Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e título de Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Essa trajetória de formação acadêmica está intrinsicamente ligada ao papel que Roberto Moraes Pessanha cumpriu na transformação operada na antiga Escola Técnica Federal de Campos, que passou pela transformação num Centro Federal de Tecnologia e, finalmente, num Instituto Federal.

A partir desse lócus, Roberto Moraes se tornou um elemento basilar no esforço de reflexão sobre a criação de um modelo desenvolvimento econômica que dê conta de resolver a persistente dívida histórica com a maioria da população cujas necessidades e direitos continuam sendo ignorados em uma região fortemente marcada pela herança da escravidão.

Roberto Moraes também é um pioneiro no uso das plataformas digitais como veículos de debates e disseminação de informações que são ignoradas (propositalmente ou não) pela mídia corporativa. O seu blog pessoal (http://www.robertomoraes.com.br/), que completa no dia de hoje 14 anos de existência, é uma fonte de referência para todos os que querem entender de forma apropriada o que está acontecendo não apenas no município de Campos dos Goytacazes, mas em todo o Norte Fluminense.

Na entrevista abaixo, Roberto Moraes oferece reflexões que ajudam a entender a ligações existentes entre os processos econômicos desde a escala global à local, e de como isso afeta a gestão pública no município de Campos dos Goytacazes.

BLOG DO PEDLOWSKI (BP): Em sua tese de doutoramento, o senhor abordou as transformações causadas pela indústria dopetróleo no desenvolvimento econômico brasileiro. Notei que em sua tese, o senhor postula que o setor do petróleo possuiria uma imensa capacidade de arrastar diversas outras cadeias produtivas, vinculadas tanto à indústria quanto à infraestrutura; em especial, a de circulação de mercadorias, cujo produto final seria a criação de uma dinâmica econômica e sócio-espacial com características multidimensionais e transversais em termos de sua repercussão sobre o território. O senhor poderia nos explicar quais seriam estas repercussões?

Roberto Moraes Pessanha (RMP): Durante quase uma década, junto com outros professores e pesquisadores, eu me dediquei a estudar o desenvolvimento regional vinculado ao aumento das receitas dos royalties do petróleo e aos problemas das seguidas más gestões públicas, nos vários municípios da nossa região. Estudamos vários dados e indicadores, assim como propostas de soluções. As análises dos problemas já demonstravam que havia tanto problemas conjunturais de ações dos gestores, como questões que eram estruturais e vinculadas à reestruturação produtiva global, à forma como o sistema capitalista atua sobre com desdobramentos sobre o território, onde esses gestores se colocavam como uma espécie de despachantes de interesses econômicos. Isso me fez subir as escalas nas análises e interpretações sobre estes fenômenos que produzem repercussões locais/regionais. Assim, avancei para análises transescalares, mas sempre fiz questão de não deixar de continuar observando o “fenômeno real” daquilo que vinha acontecendo em nosso território, numa perspectiva já regional.

Assim, a partir de 2007/2008, eu comecei a pesquisar que forças estavam por trás do interesse na infraestrutura portuária que estava sendo planejada para o Açu. Projeto iniciado para exportação de minério de ferro, mas que paulatinamente, foi se voltando para o setor petróleo. Assim, identifiquei como o empreendimento de uma empresa, buscou capital estrangeiro e financiamento de fundos públicos (BNDES) e se transformou num grupo (holding). Um porto de grande porte sempre é uma porta aberta para a economia global que naquela ocasião demandava grandes volumes de minério e já estava de olho na maior fronteira de petróleo descoberta na última década no mundo: o pré-sal brasileiro. Reserva que se mostrou gigante diante da existência de seis dos dez maiores campos de petróleo descobertas naquele período e logo cobiçadas – e agora já apropriadas em parte – pelas grandes petroleiras do mundo.

Diante deste cenário, eu decidi subir um pouco mais a escala de observação, para o ERJ e para o Brasil. Neste caminho, eu senti a necessidade de dar o salto para observar o sistema-mundo (Wallerstein), e foi quando resolvi conhecer e me aprofundar na análise dos movimentos do capital que envolviam a relação petróleo-porto em outros lugares do mundo, buscando compreender como ela produzia o território. Assim, eu passei um semestre do doutorado (chamado sanduíche) estudando na Faculdade de Geografia da Universidade de Barcelona, onde saí também para pesquisar alguns dos grandes portos da Europa como Roterdã, na Holanda, Antuérpia na Bélgica entre vários outros. Em todos eles, a relação do porto como base de infraestrutura para a circulação do petróleo era muito grande e com vínculos com esta extensa cadeia produtiva do petróleo e enorme força de arrasto para outros negócios vinculados à energia e à produção de derivados. Assim, esta mercadoria especial demonstrava a sua potência sobre o espaço e nas transformações sobre o território, incluindo não apenas a noção das áreas, mas da vida das pessoas e com relações verticais (em várias escalas) e horizontais com outros circuitos produtivos que envolve o que passei a chamar de uma “tríade: petróleo-porto-indústria de apoio offshore e naval”. A partir daí fui pesquisar os movimentos da evolução das gerações de portos no mundo e fui confirmando uma de minhas hipóteses: que não é possível entender a repercussão destes empreendimentos sobre o território e a região, apenas observando e analisando questões locais e mesmo regionais, mesmo que em várias dimensões.

A cadeia produtiva desta mercadoria especial que é o petróleo – e que depende de forma direta dos portos – tem relações econômicas e de poder que interferem na vida das nações e se movimentam por interesses geopolíticos. Como diz o professor alemão Altvater, em seu livro “O fim do capitalismo como o conhecemos”, o capitalismo e o crescimento econômico no mundo ao longo do tempo foi sendo lubrificado pelo petróleo. Assim, ele gerou simultaneamente bem-estar para poucos e desigualdades que afetam à maioria. Como decorrência desta interpretação dos investimentos dos donos dos dinheiros (sistema financeiro e fundos) passou a ser possível compreender como o capital fictício decide “aportar” sobre o território na condição de capital fixo. Através de grandes projetos de investimentos (GPI) para a produção material (exploração de petróleo) e infraestruturas (portos) para dar circulação à mercadoria especial que é o petróleo, os investimentos retornam já como lucros (dinheiro) – e novamente – no andar de cima da pirâmide do capital. A nossa região está exatamente no meio deste movimento que envolve o poder econômico (as corporações e o sistema financeiro) e o poder Político (Estado). Em suas articulações são decididos licenciamentos dos empreendimentos, financiamentos e subsídios que produzem o território e constroem novas regionalidades. Neste processo o município é quase um detalhe, apesar dele possuir o poder de autarquia sobre o uso do solo.

Foi no meio desta análise que eu cabei por reinterpretar o conceito que une a questão econômica à espacial através dos “circuitos espaciais de produção”, que foram pensados na década de 80, pelos geógrafos Sonia Barrios e do Milton Santos. No caso da cadeia produtiva no espaço do litoral do ERJ, entre a capital e SJB, eu passei a observar estas transformações a partir do que passei a denominar o “Circuito Espacial do Petróleo e dos Royalties (CEPR-RJ)”. Aliás, o aprofundamento da análise sobre as consequências destes movimentos no território, permitiu identificar que eles se davam especialmente em duas pontas: uma com o adensamento das atividades operacionais de apoio à exploração offshore em Macaé, de onde se expandia para SJB com o Porto do Açu; e no outro extremo, um movimento que se espraiava da metrópole com a implantação do Comperj em Itaboraí e que unia ainda a indústria naval em Niterói/São Gonçalo, que é uma das bases do apoio portuário offshore, fincadas nos dois lados da Baía da Guanabara atendendo a operações de sondas e plataformas dos campos de petróleo da Bacia de Santos e do Pré-sal.

No interior deste CEPR-RJ eu levantei a necessidade que fosse compreendida a existência de dois tipos de economia que interferem de formas distintas no espaço (território) e com fortes vinculações para a compreensão direta sobre o desenvolvimento local e regional: Economia do Petróleo e Economia dos Royalties. A segunda não existe sem a primeira, mas é distinta na medida que ela não faz parte da cadeia produtiva, mas da renda gerada pela extração do petróleo (petrorrenda). Na Economia do Petróleo em sua cadeia estão as empresas petroleiras e as que vendem tecnologias e prestam serviços de altíssimo valor agregado à extensa cadeia produtiva deste estratégico setor. Geram empregos mais qualificados, movimentam mais recursos e se relacionam de forma centralizada e hierárquica com a economia global, como é o caso de Macaé e ainda de forma inicial em SJB e mais adiante com o funcionamento do Comperj, o município de Itaboraí. É neste contexto que sempre me refiro à “capacidade de arrasto” dos municípios que vivem de forma direta esta Economia do Petróleo. Os demais municípios deste circuito, liderados por Campos, vivem da petrorrenda dos royalties que é derivada da Economia do Petróleo. A renda dos royalties alimenta as finanças públicas, movimenta os setores de: comércio, imobiliário e serviços, em sua maioria de baixo valor agregado e complexidade. Envolve a construção civil, locações, renda da terra e imobiliária, empréstimos e agiotagem. São atividades circunscritas, de baixa dinâmica e quase nenhuma capacidade de arrasto, por estar relacionada à dependência, ou petrodependência, que se reflete também no poder político e na gestão pública. Tudo isso, interfere em várias dimensões e sobre a dinâmica econômica-social e política na vida dos munícipes, mesmo sem ser percebida.

Fui extenso demais e logo nesta primeira resposta (sic, sic), mas espero que esta explanação ajude a explicitar o que penso atualmente sobre o desenvolvimento da região.

(BP):Ainda no contexto das relações que o senhor identificou, como fica então a possibilidade de que modelos de desenvolvimento local sejam aplicados de forma exitosa na escala dos chamados municípios produtores?

 (RMP): Sempre há muito que pode ser feito no plano regional (menos que no local), mas a resposta à questão anterior, mostra, de forma clara, o conjunto de limitações que existe nas intervenções nesta escala em termos daquilo que se convencionou a chamar de desenvolvimento que difere na concepção do Celso Furtado, apenas de crescimento econômico e incorpora as outras dimensões sociais, políticas, ambientais, etc.

Neste contexto, há de se convir que as decisões sobre a instalação de um porto e de outras atividades econômicas são cada mais raras de serem tomadas sem conexão com as escalas nacionais e globais. Alguns municípios mais perto de Macaé procuram “espichar” a Economia do Petróleo criando “Zonas Especiais de Negócio” para instalação de empresas de serviços do setor e assim para abocanhar fatias desta economia arrastada do setor petróleo. O mesmo tenderá a acontecer em breve em relação à base operacional do Porto do Açu. Nos municípios da Economia dos Royalties se diversificam o comércio e os serviços que dependem diretamente das rendas que circulam. Em sua maior parte oriunda das receitas dos royalties do petróleo e dos salários de servidores nas três escalas de governo, incluindo os executivos, além da cada vez maior base do judiciário. O comércio varejista vive especialmente destas duas rendas: royalties e salários. Este é o caso por exemplo dos eletrodomésticos e das farmácias, que abordei algumas vezes em meu blog (link da última postagem sobre o assunto: (https://www.robertomoraes.com.br/2018/08/para-ajudar-entender-explosao-do.html)

Aí entra um outro fator decorrente da reestruturação produtiva e econômica. O comércio e mesmo os serviços são feitos cada vez mais por redes e franquias, o que diminui as possibilidades de iniciativas de empreendimentos locais. O comércio em rede vai além da franquia e se amplia nas compras online pela internet. As metrópoles e as cidades médias passam a ser bases dos complexos logísticos de cargas, com os galpões das transportadoras que distribuem tudo que é comprado fora da região, como se vê na chegada à área urbana pela BR-101. Assim, a economia local passa a ser ainda mais exportadora de parte do dinheiro que antes circulava em sua maior parte na própria região.

Recordo-me de um dado que pesquisei na década de 1990 que me chamou a atenção e que não mudou de lá para cá. Os bancos atuam no município de Campos, majoritariamente, como captadores de recursos ali investidos. De todo o depósito à vista e de longo prazo do sistema bancário local, cerca de apenas 10%, é aqui emprestado e investido. Ou seja, servimos à economia estadual, nacional e/ou global como exportadores de excedentes econômicos. Assim, a cidade/região foi ficando ainda mais rentista (vivendo de aplicações) depois que as petrorrendas dos royalties se ampliaram bastante depois de 1999, com a lei do petróleo e o pagamento das chamadas participações especiais pela alta produção dos maiores campos de petróleo. Desde 2000 para cá, em valores reais e absolutos, sem correção, o município de Campos dos Goytacazes teve um orçamento total somado de cerca de R$ 25 bilhões, sendo que mais de R$ 14 bilhões (56%), oriundos das receitas dos royalties do petróleo, que teve o auge de arrecadação entre os anos de 2012 e 2013.

Para não deixar de responder integralmente, eu ainda sustento que é possível, fazer coisas criativas e menos dependentes do dinheiro público no plano regional. Há municípios e regiões do país fazendo coisas e descobrindo nichos, movimentando a economia, promovendo inclusão social e gerando empregos. Porém, seria necessário também superar o problema do federalismo brasileiro que ajuda a promover uma disputa e uma concorrência entre os municípios, quando nossa população, já se sente, em boa parte, vivendo de forma mais integrada numa região, num estado que não pensa e não planeja as regiões e atua de forma isolada (quando muito) atendendo isoladamente os municípios. Tenho tratado deste tema com alguma frequência no meu blog nos últimos meses. A última delas aqui neste link: (https://www.robertomoraes.com.br/2018/07/a-importancia-de-pensar-regiao-quando.html)

(BP): O senhor tem se dedicado a uma análise profunda das implicações trazidas pela implantação do Complexo Industrial-Portuário do Açu sobre a economia do Norte Fluminense, em especial dos municípios de São João da Barra e Campos dos Goytacazes, bem como sobre as relações territoriais entre o Estado, as empresas que operam o CIPA e a população do V Distrito de São João da Barra. Em sua opinião, quais têm sido as principais lições que se pode tirar acerca da forma com que este megaempreendimento foi instalado e está sendo operado até o presente momento?

 (RMP): A resposta à primeira pergunta ajuda na abordagem sobre este tema. As circunstâncias da implantação do Porto do Açu estão claramente vinculadas à economia global. Trata-se do projeto de um porto que seria inicialmente para exportação de minério de ferro. Porém, com o dinheiro da venda do Sistema Minas-Rio de exportação de minério de ferro para a mineradora Anglo American, Eike Batista partiu para um encadeamento de empresas do setor de petróleo, projetando atuação desde a exploração, produção, escoamento, estaleiro para construção de plataformas e outros empreendimentos. Em seus “power-points”, o empresário passou a sonhar com a incorporação de uma área do 5º Distrito de SJB, maior que vários municípios fluminenses e brasileiros. Uma área absurdamente grande. Aí os riscos e impactos ambientais e sociais decorrentes do empreendimento logístico-portuário-industrial se ampliaram muito. As relações do empreendedor com o poder político nas várias escalas para viabilizar as desapropriações de terra de pequenos produtores e também o licenciamento dos empreendimentos exigiram acordos, que as investigações demonstram ser espúrios e hoje já bem conhecidos. Os negócios se transformaram de uma empresa numa holding (grupo) com várias negócios articulados em sociedades. Porém, adiante eles foram ao fundo do poço (literalmente) quando os campos de petróleo explorados pela OGX, se mostraram “xoxos” na expressão de experientes trabalhadores na exploração offshore. A derrocada dos negócios e os “repasses” do controle do empreendimento para um fundo de investimento americano EIG, levou à troca de nome da empresa de LLX para Prumo, dona do Porto do Açu, mas não da situação gerada naquelas terras.

Os projetos das siderúrgicas (duas), cimenteiras (duas) e uma térmica à carvão perderam sentido com as mudanças na economia nacional e global. Hoje há um excesso de capacidade instalada de quase 50% de produção de aço no mundo, que demonstra que não haverá espaço para instalação deste tipo de empreendimento no Açu. Empreendimento de refino de petróleo, outra atividade que é extensiva em uso de área, também não terá demanda para ser ali instalada, considerando a planta do Comperj em Itaboraí que está para ser terminada. A ANP diz que novas plantas de refino de petróleo no país, deveriam ser instaladas próximo onde há demanda de combustíveis, porque o refino de combustíveis deve estar próximo ao posto e não ao poço, por questões de custos e logística.

Assim, outros projetos em gestação para o porto (como o polo de gás natural com duas termelétricas, uma usina de regaseificação e um ramal de gasoduto até Campos – na Tapera – para se interligar ao gasoduto Gascav – Cabiúnas – Vitória) não demandam tanta área que foi tão violentamente desapropriada e dez anos depois está lá, sem uso, servindo para especulação futura, dos novos donos do porto. Uma reforma agrárias às avessas que retirou terras, em boa parte produtivas, das mãos de pequenos agricultores para entregar nas mãos de um dono, que nem é o Estado. Lembrando que até hoje a grande maioria dos desapropriados não recebeu pelas terras que foram cercadas pelos empreendedores, suas casas e benfeitorias destruídas, sem que nada fosse feito no lugar. Dos cerca de 90 km² de área do porto de distrito industrial, até hoje, dez anos depois nem 5% foi utilizado e, mesmo que todos os atuais projetos sejam implementados, eles não chegarão a 10% do total.

No link a seguir é possível ver postagem em meu blog em 8 de jun. 2017 que relata a audiência pública na Alerj que tratou do assunto e que gerou espanto até mesmo a deputados que eram da base do governo Cabral que bancou as desapropriações em suas “articulações” e negociações com o empresário Eike Batista. Por conta disto e outros crimes, os dois chegaram a ser presos:

(http://www.robertomoraes.com.br/2017/06/agricultores-do-acu-conquistam-em.html)

Uma violência inaceitável. Hoje, o porto com novo desenho, menos irreal, mas ainda sem programação para uso da vastíssima área tinha obrigação de reprogramar o uso da mesma junto da Codin, e assim devolver parte dela aos agricultores, especialmente aquelas mais distantes do litoral. Na verdade esta geração de porto não quer diálogo com o município ou com a comunidade.

Trata-se de um enclave, como pode ser traduzido academicamente. Um porto desta geração, tipo porto-indústria, requer fluidez das cargas para operar de forma veloz e eficiente e isso demanda menos vínculos com a economia local e as comunidades locais. Chama isso de rugosidades que deve ser evitadas. De certa forma, esta ideia talvez explique porque tanta truculência e porque tão pouca interação com a cidade e com a população. É bom lembrar que não é assim que acontece em outras partes do mundo, mesmo em Roterdã na Holanda e Antuérpia na Bélgica, os dois maiores portos da Europa, que até pouco tempo eram os maiores do mundo, só superados com o avanço das economias asiáticas, em especial da China. A cidade e o porto convivem de forma, relativamente harmônica e com impactos sendo efetivamente compensados e mitigados. Onde a urbe acaba convivendo com a logística da circulação das mercadorias nos vários modais de transporte que se interligam a partir do porto. Até tour se faz nos canais de navegação por entre os píeres do terminal portuário que se mistura com a cidade e todo o seu entorno.

Há demandas no país por logística portuária não apenas no Sudeste, mas em outras regiões do país. A instalação do Porto do Açu com todos estes problemas, acabou adquirindo em termos econômicos, vantagens comparativas com outros portos e os diversos projetos portuários da região Sudeste, em que pese as limitações que enfrenta de ser um porto em águas abertas e alguns problemas de atracação. E sofre pela ausência de um modal ferroviário que projetou e não saiu. Agora aguarda que uma concessão do governo federal (ANTT) possa encontrar investidores interessados no ramal Vitória-Rio que passe pelo Porto do Açu, Macaé, Itaboraí e se interligue ao Porto de Itaguaí e à linhas já existentes até o Porto de Santos e à Minas Gerais. Sem este modal a logística do Porto do Açu será muito limitada ao circuito do petróleo e do gás. Mais adiante, em novo ciclo de expansão da economia, o Açu terá espaço e avançará porém em ritmo menos veloz do que o pensado antes. O que não é ruim, até para que a região possa tentar se vincular ao empreendimento e reduzir os impactos socioambientais. Assim, é lamentável que seus controladores e dirigentes não tenham a mínima sensibilidade (não vou nem usar o desagastado termo da responsabilidade socioambiental) em buscar aproximação e uma negociação com os produtores rurais e com a comunidade regional. É lamentável que esta ideia abstrata de progresso continue a ser assim tão tacanha e distante dos discursos corporativos. A ponto de tudo isto estar hoje representando empecilhos para os donos do porto obterem financiamentos de bancos estrangeiros para os seus projetos do polo de gás natural. É também muito ruim e lamentável que as relações do empreendimento com o poder político e vice-versa, nas diversas escalas de governo e representação política e do Estado (executivo, legislativo e judiciário), continue sendo apenas de quem quer apenas despachar seus interesses econômicos, sem nenhum compromisso com a região e com as pessoas. De parte a parte.

(BP): Após 1,5 ano de existência, como o senhor avalia o desempenho do governo comandado pelo prefeito Rafael Diniz em termos da entrega da sua principal promessa de campanha que era melhorar a eficiência da máquina pública do município de Campos dos Goytacazes?

(RMP): Eu não tenho como tratar desta questão sem considerar tudo que já foi falado acima. Há fortes relações em tudo isso. Há dois aspectos a serem explorados para se analisar o desempenho do prefeito eleito em 2016, no município, polo de toda esta região. Campos dos Goytacazes tem a maior população, área, orçamento público e vivência história de gestão pública na região. O primeiro aspecto é tratar do tema em termos conjunturais sobre as ações do governante, diante das expectativas geradas junto à população de necessárias mudanças na forma de atuar para representar a população. Mas, antes vou abordar o aspecto estrutural sobre a nossa formação econômica e social, mesmo que já tenha feito alguns comentários sobre isto nas respostas anteriores. Estrutura de um município-polo de uma região com formação econômico-social ligada à produção da agroindústria canavieira que nasce nos engenhos e na vida rural, depois passa pelos engenhos-centrais e pelo aumento paulatino da urbanização na área central da cidade. Da economia rural como base de sustentação, se passa para um comércio atacadista e varejista que vai ganhando força e dando forma à constituição da burguesia local. Entre as décadas de 60 e 70, junto do crescimento do polo comercial instalado, se ampliam as ofertas de serviços que avançam atendendo outra fração da burguesia e classe média que cresce. A crise da agroindústria canavieira já entrando nos anos 80 vai encontrando e sendo continuada pela petrorrenda dos royalties da exploração da Bacia que ganha o nome de Campos, embora tenha a sede das operações offshore instalada em Macaé. Lá o núcleo urbano estava no litoral, era mais perto da capital, sede da Petrobras e possuía uma geografia que permitia ampliar um píer de pescadores em Imbetiba, para um terminal portuário para embarcações de apoio às sondas e plataformas de petróleo que começaram a ser instaladas na metade da década de 70.

Ao contrário do que muitos avaliam, há mudanças e continuidades nesta passagem. Campos, embora continue como polo da região, passou a dividir importância na região Norte Fluminense com o município de Macaé, o que não seria ruim numa visão regional. Os demais municípios também crescem após a Constituição de 88. Campos passa a fornecer a maioria da mão de obra técnica que passou a atuar na exploração offshore de petróleo em nosso litoral, que se inicia na década de 70, mas ganha corpo em volume de produção e renda com os royalties do petróleo, após a nova lei no final da década de 90, portanto, há 20 anos. A principal mudança que se tem aí é o “empoderamento econômico do poder político” com a petrorrenda dos royalties. O prefeito passa a ser o dono dos dinheiros e não mais os empresários da produção da agroindústria. Isto muda a relação política e acaba por gerar os conflitos que passaram a ficar conhecido como a “disputa entre criador x criatura”, em todos os municípios petrorrentistas. O que demonstrava ser um problema estrutural e não conjuntural de um ou outro município.

A burguesia que controlava a comércio e boa parte dos serviços que movimentava a economia, passou a ficar cada vez mais dependente do poder político e da petrorrenda e foi assim muito impactada, tanto com expansão na fase de boom, quanto agora com a crise nesta da fase de colapso do preço do barril de petróleo e da renda dos royalties. Neste mesmo processo, se ampliou a construção civil, a especulação e o rentismo imobiliário, também alimentado pelas atividades junto ao grande número de servidores públicos do município. O Censo de 2010 do IBGE identificou o colossal número de 52 mil imóveis na condição de “domicílios não ocupados” e “domicílios vagos” que reforçava a interpretação da especulação e do rentismo imobiliário. No meio da crise atual não é difícil intuir que os domicílios vagos em Campos já tenham passado – e bem – dos 60 mil imóveis. Tudo isso ajuda a explicar o rentismo geral em Campos, bem superior à média nacional, com os bancos captando aqui dinheiro em proporções muito maiores do que em empréstimos, para investimentos no município e/ou na região.

Ainda na fase de expansão da receita dos royalties uma parte do comércio local, varejista, começou a ser impactado pelas redes nacionais. Inicialmente o comércio de eletrodomésticos, antes muito forte. Agora, mais recentemente se vê o mesmo processo em outros ramos, embora eu destaque o ramo de farmácias. Cresce também a pressão do comércio online pela internet. Também mais recentemente, restou à parcela local que atua no comércio entrar na moda das franquias. Assim, o comércio no município foi ficando mais forte nas franquias e vinculado a uma rede nacional controlada por grandes grupos econômicos nacionais, ficando de fora, uma parte dos serviços, o lazer e entretenimento com os bares e restaurantes. Neste contexto é possível dizer que no momento de crise com a redução da renda dos royalties no ano de 2014, criou-se um ambiente que ressaltava o desagaste do tipo de fazer política que estava em vigência há duas décadas, mesmo com diferentes nomes de gestores (entre criadores e criaturas) e uma expectativa de mudanças. Ela vinha tanto das bases populares que já sofria alguns cortes de programas sociais, quanto da burguesia e classe média que de alguma forma passou a ser dependente do petrorrentismo que entrava em colapso com a redução do preço do barril do petróleo e consequentemente das receitas dos royalties.

Assim, a opção de experimentar a mudança veio de forma rápida e brusca pela questão econômica e também pelo esgarçamento do velho político. Chegou sem a exigência de bases para uma transformação de estilos de gestão que fosse mais eficiente e tivesse maior participação da população na escolha das prioridades. O grupo político que assumiu em 2016 sabia perfeitamente o que iria encontrar, mas parece não ter se preparado para ser alternativa de gestão, em termos de Políticas Públicas (assim com P maiúsculo). As evidências seguem mostrando – dia a dia e agora às vésperas de nova eleição estadual – que se trata de outro grupo com projeto apenas e unicamente de poder e não de gestão mais eficiente, não se diferenciando, no que seria essencial, do grupo político a que substituiu.

(BP): Ao longo desse período inicial do governo Rafael Diniz, temos ouvido e lido diversas declarações do prefeito e de alguns de seus principais secretários sugerindo que o município de Campos dos Goytacazes vive a maior crise econômica de sua história, e que eles têm nas mãos uma espécie de “herança maldita” deixada pela administração da prefeita Rosinha Garotinho. Em sua opinião, a tese da herança maldita explica o descompasso que estamos presenciando entre as promessas de campanha e as práticas de governo? Por favor, elabore.

(RMP): Depois de quase dois anos de gestão municipal, numa avaliação geral o que se percebe é inoperância, insensibilidade social e pouco apetite para desenvolver Políticas Públicas. A liderança que apareceu tão intensamente na campanha, não existe em termos administrativos. O trabalho das secretarias e superintendências, mesmo com boas expectativas prévias de alguns nomes, se mostra frágil, com poucas e fragmentadas ações, redundando em serviços públicos deteriorados e sem perspectivas de melhorias. Por isso, eu uso as fortes expressões: “inanição e inoperância” antes até da ineficiência, porque esta daria a ideia de que estão tentando, mas sem resultados. O prefeito eleito em 2016, junto com seu grupo (que gostaria de chamar de equipe) segue reclamando diariamente da herança maldita da administração anterior, mas esconde e finge não entender que foi exatamente esta situação que criou as condições para a sua eleição na condição de oposição, gerando enormes expectativas na população de que pudessem fazer melhor, na medida que não conseguem nem ser diferentes. Se o quadro econômico-político fosse outro não teria sido eleito. O resultado que se vê são cortes nos projetos sociais de forma indiscriminada. Ou seja, rasgos e emendas sem resultados. Evidenciando a característica de um governo elitista, insensível e sem projetos, mesmo que tecnocrático na concepção. Um governo que deixa transparecer não ter apreço pelas pessoas a quem representam e pediram votos e confiança.

(BP): Como o senhor vê o processo de descontinuação das políticas sociais herdadas de administrações anteriores, e mais especificamente aquelas voltadas para fomentar a geração de renda e empregos? Até que ponto a interrupção dessas políticas serviu para melhorar a eficiência do uso de recursos públicos em Campos dos Goytacazes. No caso particular da formulação de estratégias que busquem ampliar o processo de inserção do nosso município nas novas relações econômicas que foram estabelecidas a partir do ciclo do petróleo, como o senhor avalia o desempenho do governo de Rafael Diniz?

(RMP): Acabei de tratar disso na resposta à pergunta anterior, mas vou adiante. O nosso município, mesmo tendo visto tanto dinheiro circular pelos orçamentos públicos, continua a ser um município muito desigual. A maioria das pessoas é pobre. Muitos são muito pobres, com baixa renda, necessitando de políticas públicas de assistência, promoção social e projetos de transferência de renda. Quem tem fome precisa de remédios e assistência. Têm pressa e precisam ser tratados com prioridade, em termos de direitos e obrigações do poder público mais próximo do cidadão que é a prefeitura. A maior parte dos cortes implementados pelo novo prefeito teve viés político-eleitoral e segue atingindo diretamente a população mais pobre, como no caso do restaurante popular, das passagens subsidiadas, agricultura familiar, etc. O caso do transporte público para mim é o mais grave e de maior impacto, porque interfere em outras dimensões da vida de quem não tem outra forma de se locomover para trabalhar, estudar, buscar assistência médica, fazer suas compras e manter o convívio social. O subsídio no esquema antigo era caro, mas merecia melhor tratamento que não a suspensão e a completa desarrumação do setor.

Assim, é fato que hoje, o pobre perdeu muito mais que a maioria da população com a suspensão de vários programas e com a redução das dotações orçamentárias na área de promoção social num orçamento que ainda é de R$ 2 bilhões. Vou repetir R$ 2 bilhões. Diante deste espanto, me impressiona os valores gastos com o contrato de limpeza pública – que segue deficiente – e com a relação no mínimo complacente (ou condescendente) e sem cobranças da gestão da concessionária de saneamento (água e esgoto) no município. Com os contratos caríssimos que atendem aos setores de saúde e educação. A falta de pulso sobre estes contratos não é o mesmo que age com força e como tesoura afiada com cortes sobre os programas sociais. É preciso ser criativo. É fácil ser forte contra os fracos e inaceitável ser mole com os poderosos. É preciso dialogar com os setores da sociedade mais frágil em termos de impactos e de mudança do período de abundância da petrorrenda para o dia seguinte. A população mais pobre não viveu o boom e usufruto destas rendas, ficou com migalhas e é a primeira a sofrer a ausência dela. Num mundo em que a economia global suga recursos (excedentes econômicos) das cidades e regiões, a gestão pública do município – mais perto do cidadão – tem a obrigação de resgatar as pessoas. Tratam-se de valores humanitários e civilizacionais que deveriam ultrapassar o discurso religioso promovendo reais medidas de solidariedade. Na verdade as igrejas até poderiam ajudar, mas falta interesse e liderança também para articular ações e projetos.

(BP): Um dos grandes desafios que o município de Campos dos Goytacazes vem enfrentando desde a promulgação da chamada Lei do Petróleo é usar de forma efetiva os recursos bilionários aportados no tesouro municipal via o pagamento de royalties e participações especiais.  No tocante à atual administração, o senhor tem visto alguma mudança qualitativa no uso destes recursos em relação a outras administrações, especialmente no que se refere ao apoio de ações estruturantes que garantam uma melhoria no desempenho econômico do nosso município frente às mudanças que estão ocorrendo na cadeia do petróleo?

(RMP): Para ser justo, eu sempre disse em meus escritos e nos debates públicos que participo, que diante da abundância de recursos, seria sempre mais fácil dizer o que não fazer, ou não investir os dinheiros, do que onde colocar os recursos. Ou seja, era mais fácil fazer a crítica – que se bem ouvida, por quem estava dentro do sistema poderia ajudar – do que na definição de projetos. Além disso, eu nunca convivi bem com a ideia de consultores tecnocráticos que se julgam iluminados – muitos vindos ou ainda vinculados ao status da academia – que pensam ter soluções para tudo, incluindo as gestões municipais. Eu tenho uma formação social e política de pensar, planejar e agir coletivamente, especialmente sobre as questões públicas. O que também nunca me inibiu de analisar, levantar questões e formular críticas, até porque, eu sempre apostei na ideia com elas se pode começar a construir soluções no mundo real, para aqueles gestores verdadeiramente comprometidos e que estão diante dos desafios, como representantes (empregados) da população de fazer e de realizar.

Dentro desta linha, eu também sempre disse que pelos menos dois princípios deveriam ser seguidos. O primeiro, considerando o que se disse antes, sobre ser mais fácil dizer onde não investir, se deveria então efetivamente repartir estas decisões, abrindo à ampla participação popular na escolha das prioridades. Considerando a situação excepcional de nossas receitas ainda engordadas pelos royalties do petróleo, seria tempo de buscar práticas de democracia real e direta emponderando as pessoas e associações. É necessário estimular as pessoas e recuperar as instituições para um diálogo mais franco e aberto. Deixar que o debate e os conflitos sejam expostos para buscar mediações. Neste processo, talvez seja necessário deixar um pouco de lado a eterna disputa pelo poder entre os grupos partidários, mas deixar vir à tona as divergências. Neste diálogo talvez se possa tentar trabalhar para a adoção de orçamentos democraticamente discutidos, tanto em termos espaciais (pelos bairros e distritos), quanto de forma setorial, por áreas como saúde, educação, transporte, cultura, etc. A segunda medida seria de priorizar nas escolhas quem mais precisa dos governos, as camadas da população sem renda ou de menores rendas. O planejamento participativo verdadeiro, mais que auxiliar nas escolhas das prioridades pode ajudar também a controlar os gastos, na medida que evitam superfaturamentos de obras e serviços, além de melhorar a qualidade da intervenção pública, que assim seria fiscalizada por quem escolheu ali gastar o dinheiro que seria visto como de todos e não do prefeito eleito.

Os recursos que o município dispõe hoje, mesmo que menores que antes, ainda são muito significativos quando comparados a outros municípios de nosso país. Na verdade a abundância de recursos da petrorrenda nos fez muito mal e por muito tempo. A petrorrenda parece uma mesada. Efetivamente, os royalties do petróleo serviram para concentrar ainda mais a renda no município, onde tudo ficou mais caro. Quem ganhou e ainda ganha com isso? A maior parte da população que fica com as migalhas desta petrorrenda, até hoje ainda não entende porque os royalties são pagos. É uma questão abstrata para elas, na medida, em que o produto que a gera, sequer é conhecido pelas pessoas. Quase nenhum campista teve oportunidade de ver de perto o petróleo que gera esta riqueza, mesmo em pequenos tubos. Nunca colocou nas mãos ou entre os dedos, ou cheirou aquele líquido escuro e espesso. Tem noção distante sobre os riscos presentes no trabalho para sua exploração e produção. Assim, as pessoas imaginam o processo pelos trabalhadores do óleo que veem sumir e depois reaparecer depois de quinze dias. Ou pelo volume das rendas que toma conhecimento pela mídia e redes sociais, quando a mesma está sendo depositada na conta da prefeitura. Isto tem relação direta com a questão do pertencimento desta mercadoria especial, que como todos os demais recursos minerais, só tem uma safra e que leva milhares ou milhões de anos para ser colhida. A população também assiste novos ricos que aparecem sem que seja pela produção material do petróleo. É tudo muito abstrato para as pessoas da comunidade que assim passam a ter que crer (ou não) nas pessoas a quem escolhe para os representar e que toma conta da chave do cofre.

Desta forma, com frequência muito grande me pergunto: o que ganhamos e o que perdemos com os royalties do petróleo e a petrorrenda? Sempre, ao buscar respostas eu tendo a avaliar que perdemos muito mais que ganhamos com este período de abastança. Perdemos a capacidade de fazer muito com pouco, fazendo quase nada gastando muito. Parece que perdemos a noção de fazer coisas simples, a política feijão com o arroz do essencial, para ficar inventando projetos mirabolantes trazidos por gente de fora apenas interessada no dinheiro fácil dos royalties e não nas nossas pessoas. O petrorrentismo se espalhou causando ainda mais mal que a monocultura do passado. Em outras partes do mundo, na escala das nações, a constituição de fundos surgiu como forma de permitir que estes recursos fossem utilizados com o tempo e não imediatamente, quase ao mesmo tempo do seu recebimento.

Porém, se sabe que isto também não seria simples, num país e numa região com tantas carências. Imaginem falar para a população tão necessitada que ela deveria esperar o rendimento do dinheiro aplicado num banco, enquanto ela tem tantas demandas. Os gestores públicos também nunca quiseram ouvir falar dos fundos com a ideia de deixar o dinheiro e seus rendimentos para serem usados em outro mandato.

Assim, volto a dizer é mais fácil dizer que é mais correto investir na fração da população mais necessitada de renda e promoção social com vistas à emancipação. Valorizar a vida e a saúde das pessoas, educação para as crianças e assim dar efetividade e bom uso a estes generosos recursos dos royalties que desde o ano 2000 superam a quantia de R$ 14 bilhões, em valores correntes e absolutos (sem correção do valor do dinheiro) recebidos pelo município de Campos. Pautaria também a sugestão por intensa participação popular na definição das prioridades e no investimento direto nas políticas que atingem as pessoas de menor renda, as que mais precisam das políticas públicas. Ainda respondendo à sua pergunta, eu não vejo mudanças qualitativas no atual uso destes recursos. Por mais difícil que seja fazer do que sugerir, e mesmo sabendo que se tratam de políticas de longo prazo, é necessário planejar desde já, os anos vindouros sem a renda dos royalties do petróleo. Planejar formas inovadoras de empreendimentos exigirão mentalidades menos dependentes, onde a renda aqui captada nos bancos pudesse ser também aqui investida para gerar empregos, indo para além dos financiamentos diretos que dependem dos fundos públicos. Eu apostaria em ações estruturantes em termos de gestão e inovação de caráter regional em consórcios com outros municípios, que além dos seus orçamentos poderiam tentar contar com o aporte de programas e editais dos governos federal e estadual.

(BP): Tenho notado um grande desapontamento em muitos cidadãos que optaram por votar no prefeito Rafael Diniz e na sua promessa de mudança. Em sua opinião, existe mesmo esse desapontamento? E se sim, este desapontamento é justo ou vivemos uma situação de cobrança exagerada sobre um governo que nem chegou na metade da sua duração?

(RMP): Sim. Todos nós ouvimos reclamações de várias pessoas de dentro do próprio governo e/ou apoiadores eleitorais apontando suas decepções que se juntam com a crise política e econômica nacional. Elas indagam quase diariamente: este governo serve a quê e a quem? Qual(is) o(s) seu(s) principal(is) projeto(s)? Quais os projetos de desenvolvimento econômico? Da área da saúde? Educação? Falta mais que dinheiro, falta criatividade e vontade de desenvolver Políticas Públicas. Na realidade, parece que o que falta mesmo é “tesão” para tocar a administração, gerenciar melhor, junto com as pessoas e não para as pessoas. O Executivo é o setor do governo que mais permite sentir e vibrar com os resultados daquilo que pode ser feito rapidamente, para melhorar a vida das pessoas. Resultados diretos e imediatos. Mas, o que se vê no geral é que pouco até do que é básico funciona. É interessante este desagaste para alguém que mostrou apetite para fazer campanha, mas parece detestar ter que governar, liderar equipes, definir programas, projetos, ações e metas. Motivar a equipe, cobrar atuação e o desenvolvimento dos projetos. Avaliar resultados e reestruturar programas quando as coisas não caminham. Eu fico com a sensação de que há descaso e não há liderança e nem muito interesse. Em minhas reflexões, algumas vezes eu penso que essa anomia (paralisia) poderia ser ainda resultado do período da era de abundância de recursos. A gestão da abastança gera um movimento na sociedade com reflexos na gestão (mesmo que com outras pessoas que eram críticas das anteriores) que pensa e age (ou não age) como se as coisas só pudessem ser feitas com dinheiro – e muito dinheiro -. Mas também pode ser em parte, reflexo de classe, visão de uma elite que está distante da população e que não está presente no dia a dia da gestão. Mas este seria um debate mais amplo. Antes disso, há muito para ser feito e realizado.

(BP): Em sua opinião, quais têm sido até aqui os principais defeitos e qualidades do governo Rafael Diniz?

(RMP): Acho que já respondi sobre isso ao tratar de vários temas nas questões anteriores. Os maiores problemas, aqueles que afetam o cotidiano das pessoas, estão na saúde e no transporte público coletivo. É uma lástima. Não é possível pensar as pessoas sem poder se locomover num município com 4 mil km² de área, onde a expansão urbana jogou a população pobre para as periferias. Assim, em resumo, a qualidade parece que ficou na campanha eleitoral e os defeitos e problemas estão na ausência de liderança e de soluções para a gestão, onde a sensação é de que ela ainda não se iniciou.

(BP): O nosso município vive um momento muito delicado da sua história com altos níveis de desemprego e violência. Em sua opinião, quais passos deveriam ser adotados pelo prefeito Rafael Diniz para que possamos iniciar o processo de superação desse momento?

(RMP): Este é um assunto de abrangência mais geral. Em 2017 foram assassinatos mais de 60 mil pessoas no país, a maioria contra negros e pobres da periferia. É um caso para os vários níveis de gestão e diversos setores. Porém, o poder local poderia avançar com ações que pudessem ajudar a mitigar o problema com resultados interessantes e projetos de baixo custo. A juventude está abandonada nas periferias sendo vítima do tráfico, da ausência de políticas culturais, esportivas e de geração de renda, tanto aqui quanto nas metrópoles. É verdade que o problema se intensifica com a crise econômica e social do país e do estado. Porém, como já falei demais, eu vou aqui novamente tratar da gestão municipal e questionar a inapetência, a falta de criatividade e vontade de fazer acontecer. O nosso povo merece mais. R$ 2 bilhões de orçamento ainda é um valor muito expressivo e está entre os maiores orçamentos de municípios do país.

(BP): Há algo que o senhor gostaria de abordar que não foi perguntado por mim?

(RMP): Apenas pedir desculpas por ter sido por demais extenso nas respostas às indagações que instigaram uma reflexão mais ampla. Agradeço pela oportunidade.

*Marcos Pedlowski é Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense em Campos dos Goytacazes, RJ. Bacharel e Mestre em Geografia pela UFRJ e PhD em “Environmental Design and Planning” pela Virginia Tech.

Alerj

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