Presidente do TJRJ mantém decisão obrigando o Município de Campos a quitar o 13º dos servidores - Tribuna NF

Presidente do TJRJ mantém decisão obrigando o Município de Campos a quitar o 13º dos servidores

O presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Claudio de Mello Tavares indeferiu o pedido de suspensão formulado pelo Município de Campos dos Goytacazes contra decisão que determinava o pagamento do 13º salário dos servidores públicos municipais. De acordo com a liminar da 5ª Vara Cível de Campos, o município teria que quitar, integralmente e em parcela única, o pagamento do 13º salário dos servidores públicos municipais estatutários da ativa até o dia 20 de dezembro de 2019, sob pena de desobediência e demais sanções legais.

Em sua decisão, o desembargador ressaltou que o 13º salário tem caráter eminentemente alimentar, e a medida em questão poderia acarretar consequências de extrema gravidade nas economias das famílias dos servidores afetados, tais como atraso no pagamento de contas e inscrição negativa de crédito dele decorrente, além do descumprimento de outros compromissos financeiros assumidos.

O presidente Claudio de Mello Tavares explicou ainda que não merece prevalecer a alegação de indisponibilidade de recursos públicos em detrimento do pagamento da remuneração dos servidores públicos, sob pena de ofensa aos preceitos da própria dignidade da pessoa humana, assegurada pelo artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. “A conduta da Administração Municipal, além de ofender a dignidade da pessoa humana, também afronta a boa-fé objetiva que deve permear as relações com os servidores públicos, tendo em vista a legítima confiança ou justificada expectativa, despertada no servidor, de que a mencionada verba integrará o seu patrimônio na data previamente estipulada”, completou.

Íntegra da decisão:

Processo nº 0081925.52.2019.8.19.0000

DECISÃO

Trata-se de pedido de suspensão formulado pelo Município de Campos dos Goytacazes em face de decisão proferida nos autos de ação civil pública (processo nº. 0041730-80.2019.8.19.0014), em trâmite no Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Campos dos Goytacazes, o qual concedeu liminar nos seguintes termos:

“Considerando o orçamento anual elevado de mais de 1,5 bilhão de reais e o caráter alimentar do 13º salário, não vislumbro justifcativa para o não pagamento da verba salarial, devendo o gestor público decidir pelo contingenciamento de outras verbas, se assim entender. Pelo exposto, defiro a liminar para que o Município réu seja compelido a quitar, integralmente e em única parcela, o pagamento do décimo terceiro salários dos servidores públicos municipais estatutários da ativa, até a data de 20.12.2019, sob pena de desobediência e demais sanções legais. Intimem-se pelo Oja de Plantão.”

Em suas razões, sustenta que a decisão impugnada causa grave lesão à ordem e à economia públicas municipais, por se olvidar da real situação financeira do município e adentrar no mérito administrativo, decidindo o Poder Judiciário sobre a organização das finanças municipais, em evidente colisão com o princípio da separação dos poderes.

Sustenta que o baixo crescimento da economia brasileira, a deterioração do quadro macroeconômico do país, a alta volatilidade do dólar, a queda da cotação do barril do petróleo no mercado internacional e, principalmente, a queda da produção da Bacia de Campos impactaram negativamente a arrecadação municipal, culminando na maior crise financeira de todos os tempos.

Defende que, diante da insuficiência de recursos públicos disponíveis, o pagamento dos salários no dia pretendido pelo Sindicato Autor irá demandar aporte de recursos destinados à realização de outros programas públicos essenciais.

Ressalta que o Poder Judiciário não é a instância adequada para se discutir as formas de equacionamento das dificuldades encontradas pela Administração Pública, pois lhe falta a legitimidade da deliberação majoritária e o conhecimento técnico inerente aos órgãos administrativos que tratam do assunto.

Requer a suspensão da decisão liminar questionada até o trânsito em julgado da decisão final do mandado de segurança.

É O RELATÓRIO. DECIDO.

A possibilidade de intervenção que a Lei nº 8.437/92 outorga à Presidência dos Tribunais, por meio da suspensão de liminares deferidas contra atos do Poder Público, tem caráter excepcional, somente se justificando nas hipóteses nela explicitadas, ou seja, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas e nos casos de manifesto interesse público ou ilegitimidade, consoante a dicção do seu artigo 4º.

O saudoso professor Teori Albino Zavascki leciona a este respeito que:

“São dois, portanto, os requisitos a serem atendidos cumulativamente: primeiro, manifesto interesse público ou flagrante ilegitimidade; segundo, grave lesão. A falta de um deles inviabiliza a suspensão pelo Presidente do Tribunal, sem prejuízo, evidentemente, do efeito suspensivo ao recurso, que poderá, se for o caso, ser deferido pelo relator”.

Por outro lado, quando da apreciação do pedido de suspensão dos efeitos da antecipação da tutela, da liminar ou da sentença, é defeso à Presidência do Tribunal de Justiça analisar o mérito da controvérsia que, como cediço, deverá ser apreciado em razão da interposição de recurso próprio.

Passo à análise do caso em exame.

O 13º salário possui nítido caráter alimentar, servindo para o sustento dos servidores e de seus dependentes, sendo que, conforme bem destacado pelo Juízo de origem, “considerando o orçamento anual elevado de mais de 1,5 bilhão de reais e o caráter alimentar do 13º salário, não vislumbro justificativa para o não pagamento da verba salarial, devendo o gestor público decidir pelo contingenciamento de outras verbas, se assim entender”.

Por ocasião do indeferimento de atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento (nº 0081878-78.2019.8.19.0000) interposto em face da decisão também impugnada por meio desta suspensão de segurança, asseverou o Desembargador Werson Rêgo, da 25ª Câmara Cível:

“Nada obstante as relevantes ponderações deduzidas pelo Agravante, não restou suficientemente demonstrado nos autos que a imediata produção dos efeitos da r. decisão vergastada geraria o alegado risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação. Sobre isso, limitou-se o agravante a apresentar o ofício de fls. 140/142 (autos originais), emitido pela Secretaria Municipal de Fazenda, no sentido de que o Município Réu apresenta uma “programação em tesouraria” para o mês de dezembro de 2019, com um déficit de R$7.230.000,00 (sete milhões e duzentos e trinta mil reais), sem que esteja computada a verba natalina dos servidores públicos municipais.

Ademais disso, ausente a probabilidade do direito do Agravante. Ao revés, é cristalino o direito dos servidores públicos municipais à percepção do 13º salário, obrigação que Munícipio agravante deveria cumprir de modo espontâneo, ou seja, o pagamento regular dos seus servidores, até o dia 20 de dezembro, sobretudo por se tratar de verba de natureza alimentar.

Ressalte-se que a data limite legalmente prevista para o pagamento do 13º salário leva em consideração o período de festas natalinas, aliada ao início do ano, em que ocorrem despesas extras, como IPTU, IPVA, despesas escolares, dentre outras…”

Com efeito, os servidores não podem ser tolhidos do pagamento das suas remunerações, as quais lhe garantem a sobrevivência, sob pena de afronta à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, princípios basilares da República Federativa do Brasil previstos no art. 1º da Carta Magna.

Não pode ser ignorado o fato de que se está a discutir o percebimento de verba de caráter eminentemente alimentar, e a medida em questão pode acarretar consequências de extrema gravidade nas economias das famílias dos servidores e servidoras afetados, tais como atraso no pagamento de contas e inscrição negativa de crédito dele decorrente, além do descumprimento de outros compromissos financeiros assumidos.

Os servidores possuem o direito de receber os salários em dia, independentemente das motivações políticas que teriam levado à situação alegada na inicial, não havendo de se falar em impossibilidade fática do pagamento, mas em escolha política.

A conduta da Administração Municipal, além de ofender a dignidade da pessoa humana, também afronta a boa-fé objetiva que deve permear as relações com os servidores públicos, tendo em vista a legítima confiança ou justificada expectativa, despertada no servidor, de que a mencionada verba integrará o seu patrimônio na data previamente estipulada.

In casu, incumbe ao Poder Judiciário ponderar o dever do Estado de garantir a todos um núcleo mínimo de direitos, quando as diretrizes orçamentárias limitam a sua atuação em razão da indisponibilidade de recursos financeiros para atender e efetivar todos os direitos fundamentais sociais.

Nesse diapasão, não merece prevalecer a alegação de indisponibilidade de recursos públicos em detrimento do pagamento da remuneração dos servidores públicos, sob pena de ofensa aos preceitos da própria dignidade da pessoa humana, assegurada pelo artigo 1.º, inciso III, da Constituição Federal, e do mínimo existencial.

Quando do julgamento da MEDIDA CAUTELAR NA SUSPENSÃO DE LIMINAR nº 968, proposta pelo Estado do Rio de Janeiro(SL 968 MC / RJ), o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowsky, nos mesmos termos da decisão proferida pela Corte Constitucional, envolvendo o Estado do Rio Grande do Sul (SL 883-MC AgR/RS e Informativo STF nº800, de setembro de 2015, disponível no site da Corte), asseverou que o salário do servidor público constitui verba de natureza alimentar, indispensável para a sua manutenção e de sua família.

Convém reproduzir trecho da decisão da lavra do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowsky:

“(…) Acrescentei, nessa linha, ser absolutamente comum que os servidores públicos realizem gastos parcelados e assumam prestações e, assim, no início do mês, possuam obrigação de pagar planos de saúde, estudos, água, luz, cartão de crédito, etc. Como fariam, então, para adimplir esses pagamentos, uma vez que o salário seria pago fora do prazo usual? Quem arcaria com a multa e os juros, que, como se sabe, costumam ser exorbitantes, da fatura do cartão de crédito, da parcela do carro, entre outros?

Afirmei, por isso, acreditar que o legislador, não por outro motivo, na Lei de Recuperação Judicial elencou no topo da classificação dos créditos as verbas derivadas da legislação do trabalho e os decorrentes de acidentes de trabalho. Por seu caráter alimentar, elas possuem preferência no pagamento dos créditos.

Dessa forma, em que pesem as alegações do Estado do Rio de Janeiro de que, para o enfrentamento da crise financeira, está promovendo as medidas necessárias para regularizar as finanças públicas, cortando, inclusive, gastos públicos, penso não ser possível deixar de tratar os salários dos servidores como verba prioritária (…)”

Ademais, o ente público não comprovou a alegada grave lesão à economia pública, sendo certo que a mera asserção de potencialidade não tem o condão de sustentar o pedido formulado sem prova de repercussão significativa no orçamento do ente público.

O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento sobre a necessidade de comprovação do impacto financeiro que poderá causar a execução da medida liminar, com a apresentação de quadro financeiro comparativo. A esse respeito, confira o teor do informativo nº 0350:

Informativo nº 0350

Período: 31 de março a 4 de abril de 2008.

Corte Especial

FINANÇAS PÚBLICAS. LESÃO INDEMONSTRADA.

O pedido de suspensão manifestado pela União com base no art. 4º da Lei n. 8.437/1992 aduz que a determinação para que sejam depositados imediatamente os valores relativos ao auxílio-transporte acarreta impacto orçamentário de vultosa expressão. Acrescenta que o auxílio-transporte reveste-se de natureza propter laborem faciendo, isto é, somente é devido em circunstâncias específicas, atinentes ao local de trabalho, distância da residência, horário de funcionamento do serviço de transporte público, motivo pelo qual não se pode estender tal vantagem pecuniária de forma generalizada. Reitera os argumentos de que há lesão à ordem pública, pois a decisão guerreada exige da União, independentemente da existência de previsão e disponibilidade orçamentária, o desembolso imediato de vultosa quantia. Reafirma também a possibilidade de ocorrência do efeito multiplicador de demandas da mesma natureza. Porém o Min. Presidente, o Relator, entendeu que não prospera o inconformismo da agravante, uma vez que, na suspensão de liminar, verifica-se tão-somente o potencial lesivo aos bens jurídicos tutelados pela norma de regência, quais sejam, a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas. No presente caso, os argumentos relativos à possibilidade de lesão às finanças públicas são insuficientes para demonstrá-la. Não basta a mera asserção de potencialidade lesiva à economia pública, é indispensável sua comprovação mediante quadro financeiro comparativo. Não há, in casu, como concluir pela existência de risco de grave lesão à ordem ou à economia pública, com potencialidade para colocar em perigo o equilíbrio das contas públicas, de modo a justificar a concessão da contra-cautela. Por igual, o efeito multiplicador de ações idênticas não foi objeto de demonstração cabal por parte da União. Dessa forma, o potencial lesivo da decisão impugnada não se revela de pronto, tampouco a agravante logrou demonstrar qualquer fato que ensejasse a revisão ou a reforma da decisão agravada. AgRg na SLS 800-PR, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 2/4/2008.

Em face do exposto, INDEFIRO o pedido de suspensão. Publique-se. Intimem-se. Dê-se ciência ao MP.

Dê-se ciência ao Juízo de origem.

Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2019.

Desembargador CLAUDIO DE MELLO TAVARES

Presidente do Tribunal de Justiça

Fonte: Ascom TJRJ

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