Nísia nomeia ex-aliado de Witzel para gerir compras de hospitais no Rio e causa crise com alas do PT - Tribuna NF

Nísia nomeia ex-aliado de Witzel para gerir compras de hospitais no Rio e causa crise com alas do PT

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, nomeou para coordenar a área de licitações e compras dos hospitais federais do Rio um servidor público que já foi citado pelo Ministério Público Federal (MPF) como sócio de uma empresa enredada em um esquema de desvio de dinheiro de contratos da Saúde na gestão do ex-governador Wilson Witzel.

Manoel Roque Ferreira Melo é professor da rede estadual de educação fluminense e foi nomeado dia 5 de abril para chefiar a Coordenação de Compras e Contratos da rede federal no Rio, setor que administrará um orçamento de R$ 860 milhões em 2024.

Ele foi sócio de uma das empresas usadas pelo esquema de Mário Peixoto, denunciado pelo MPF em 2020 por comandar um esquema de corrupção na Secretaria estadual de Saúde.

De acordo com o MPF, a Techno Empreendimentos em Informática Ltda foi utilizada pela organização criminosa que obteve mais de R$ 700 milhões em contratos com o governo do estado para “ocultar e distanciar os recursos de sua origem ilícita”.

Roque não chegou a ser denunciado e não é mais sócio da empresa, mas sua nomeação provocou inconformismo entre setores do PT ligados à Saúde, que está em pé de guerra desde que uma reportagem do “Fantástico”, da TV Globo, revelou as más condições dos hospitais federais fluminenses e o apadrinhamento político na rede.

Como reação ao escândalo, o Ministério da Saúde unificou todas as compras da rede em um único setor, o Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), ao qual Roque ficará subordinado. Antes, cada hospital tinha autonomia. A partir de agora, o DGH administrará a verba de aproximadamente R$ 860 milhões só neste ano.

Mas a crise não arrefeceu.

Como mostrou O GLOBO, a decisão de concentrar as compras foi criticada pelo PT do Rio, que desde o início da gestão de Nísia Trindade mantém forte influência sobre as nomeações nos seis hospitais federais do estado.

A transferência de Roque para o departamento e a nomeação de outras pessoas ligadas ao partido foi vista internamente como uma estratégia da pasta para contornar as resistências, uma vez que ele é ligado à bancada fluminense do PT.

Mas outros setores do petismo, mais ligadas a entidades de saúde e sindicatos, não gostaram. Integrantes desses grupos disseram à equipe da coluna que veem Nísia “enquadrada” pelas alas fisiológicas do partido.

Muitos desses são militantes históricos que alimentavam expectativas por nomeações técnicas, em contraponto à influência de Flávio Bolsonaro na rede federal do Rio na era bolsonarista.

Outro ponto de resistência ao novo diretor de licitações da rede federal de hospitais é o fato de que ele já se desfiliou do PT no passado e fez parte da gestão do então governador Wilson Witzel (PSC) como assessor da Secretaria de Governo e Relações Institucionais. Foi nomeado logo no início da gestão, em janeiro de 2019, e foi exonerado uma semana após uma operação da Polícia Federal contra Witzel em um dos desdobramentos das investigações envolvendo Mário Peixoto, em junho de 2020.

Witzel, que ganhou a eleição com apoio da família Bolsonaro, foi afastado do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em agosto de 2020 e sofreu impeachment em 2021 pela Assembleia Legislativa do Rio justamente por causa de apurações derivadas do caso Peixoto.

Naquele mesmo ano, já com Lula reabilitado eleitoralmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Roque voltou ao PT, mas seu histórico tem pesado.

De acordo com o MPF, o esquema de Peixoto consistia no pagamento de propinas a políticos como Paulo Melo e Jorge Picciani, que presidiram a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) pelo MDB, e o ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Jonas Lopes, para a contratação de organizações sociais (as chamadas OS) ligadas ao empresário sem licitação para a gestão de unidades de saúde como unidades de pronto atendimento (UPAs).

O dinheiro pago às OSs era, então, distribuído a uma rede de subcontratadas e a indivíduos ligados a Peixoto para, segundo o MPF, dissimular o patrimônio “da origem dos contratos públicos obtidos e mantidos de maneira ilícita”.

O esquema, ainda segundo os procuradores, formou uma “completa e sofisticada rede de lavagem de capitais” através de pessoas físicas e jurídicas para ocultar a atuação do empresário como líder da organização criminosa.

Entre essas empresas estava a Techno Empreendimentos em Informática Ltda, que à época tinha Manoel Roque como sócio. Apesar da conexão, ele não chegou a ser denunciado pelo MPF e, passados quatro anos, ele não faz mais parte do quadro societário da empresa.

Nós procuramos o Ministério da Saúde e questionamos os critérios para a escolha de Roque como coordenador da área de compras e contratos no Rio. Perguntamos, ainda, se o ministério tinha conhecimento da ligação com o empresário Mário Peixoto apontada pelo MPF em 2020.

A Saúde se limitou a afirmar que a nomeação “foi realizada em função de sua experiência na área administrativa”. Disse, ainda, que Roque já era coordenador do Hospital dos Servidores e que o cargo foi absorvido em abril pela coordenação que ele agora vai comandar.

Não houve comentário sobre as conexões entre Roque e as empresas controladas direta ou indiretamente por Peixoto.

Roque, por sua vez, negou ter tido qualquer relação com Mário Peixoto e disse nunca ter respondido a inquéritos e tampouco ter sido chamado a depor à Justiça no caso. Afirmou, também, que não participou da gestão da Techno.

“Quando entrei sabia que ele [Mário Peixoto] era dono de uma empresa que constava no contrato social, mas não tinha conhecimento de nada que desabonasse sua conduta”.

Ainda segundo ele, a participação societária se encerrou a pedido pelos sócios controladores após a venda da companhia.

Segundo cadastros de serviços de crédito consultados pela equipe do blog, sua irmã, Girlene Ferreira Melo, foi contratada como assistente social por duas OS de Peixoto como assistente social: o Instituto Data Rio (IDR) e o Instituto Unir. De acordo com o Ministério Público, a IDR era a organização que contratava a Techno, no esquema criminoso encabeçado por Peixoto.

Roque, porém, diz que não sabe informar como Girlene foi selecionada pelas empresas.

Essas duas organizações sociais de Mário Peixoto controlavam diversas UPAs em bairros populosos da capital, como Campo Grande e Santa Cruz, e municípios da Baixada Fluminense como Mesquita, Queimados e Nova Iguaçu.

Mesquita é, aliás, o berço político de Manoel Roque. Ele já foi secretário de Governo durante uma administração petista na cidade de 180 mil habitantes nos anos 2000, presidiu o partido no município e, em 2020, chegou a se lançar como pré-candidato a prefeito pelo PSC de Witzel, mas o plano não foi adiante.

Em entrevista a um jornal local, o Povo, em março daquele ano, ele destacou que havia deixado o PT ainda em 2012, “no auge do poder”, em razão de discordâncias sobre “aspectos internos” e “opiniões divergentes”. Se filiou ao PTB, atual PRD, e migrou posteriormente para o PSC, quando o partido comandava o município da Baixada.

“Em 2017, vim para o PSC e caminhei junto ao governador que tinha o sonho de ser o chefe do Executivo estadual [Wilson Witzel] e agora é”, declarou ao jornal Povo na ocasião.

Agora que ocupa um cargo de confiança sob um governo do PT, Roque também faz questão de propagandear o vínculo com a legenda. Em seu Instagram, por exemplo, compartilha publicações com elogios a a Lula e divulga agendas do PT em Mesquita. Mas não se identifica como coordenador na rede federal no Rio de Janeiro.

Perguntado sobre a guinada no espectro político e partidário, Roque não comentou a aliança com Witzel, mas disse ter mantido relações com quadros do PT e “talvez por isso tenha sido convidado para retornar [à legenda]” em 2021.

Roque, porém, não esclareceu de qual setor do PT partiu sua indicação.

Fonte: Blog de Bela Megale, de O Globo

Alerj

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