Máfia no futebol: ‘Temos um jogador do Flamengo’, diz apostador em conversa com atleta que confessou manipulação
No dia 24 de janeiro de 2023, Luís Felipe de Castro, um dos apostadores investigados pela Operação Penalidade Máxima, do Ministério Público de Goiás, tenta convencer o lateral Kevin Lomónaco, do Bragantino — que já vendera um cartão amarelo ao grupo no Brasileirão de 2022 —, a cometer um pênalti no próximo jogo do Campeonato Paulista, e oferece até R$ 200 mil pelo acordo. Na tentativa de convencer o atleta a participar de uma nova operação, com apostas em vários jogos, ele diz contar com um atleta do Flamengo naquele fim de semana.
“Amanhã temos um jogador do Flamengo. Então você deve fazer também para que todos ganhem”, escreve Luís Felipe, misturando palavras em português e espanhol, já que Lomónaco é argentino. “Se fecha, hermano, te pagamos com certeza o valor da operação e também o que te devo”.
O Flamengo não tem nenhum jogador indiciado, ou mesmo citado na investigação da máfia de de apostas, feita pelo Ministério Público de Goiás. Contudo, o nome do clube aparece neste trecho nas conversas da investigação.
Em nota, o departamento jurídico do clube diz que “o assunto está com o Ministério Público de Goiás. O Flamengo não teve conhecimento de qualquer citação, mas confia plenamente em seus atletas. O clube está acompanhando a questão e tem todo interesse em que haja uma rigorosa apuração pelos órgãos competentes. O clube recentemente promoveu uma palestra para os jogadores com o senador Carlos Portinho, que é uma autoridade no assunto. O Flamengo está sempre fazendo ações educativas e colaborando para que jamais ocorram no clube situações, como as noticiadas. Vale lembrar que é comum como instrumento de convencimento usar nome de terceiros.”
O diálogo acontece no início da manhã do sábado, dia 24 de janeiro. O Flamengo jogou neste dia, às 18h30, em Volta Redonda, contra o Bangu, no quinto jogo da temporada, pelo Campeonato Estadual, ainda utilizando um time recheado de reservas, já que o grupo principal se preparava para o Mundial de Clubes, em fevereiro. A partida terminou empatada em 1 a 1. Em nenhum momento da conversa, Luís Felipe especifica qual jogador ele teria acordo no time rubro-negro, nem o que foi acertado: se cartão amarelo, pênalti, escanteio ou finalizações. Também não aparecem nas conversas que o Ministério Público teve acesso nenhuma aposta feita pela quadrilha com o nome de algum jogador do Flamengo, nesta ou em qualquer outra partida.
No dia seguinte o Bragantino, de Lomónaco, enfrentou a Ferroviária pela terceira rodada do Paulistão. A ideia de Luís Felipe era aliciar o zagueiro do clube paulista para fazer uma aposta múltipla, casando com suposto jogador do Flamengo que ele afirma ter acertado. Apesar das partidas serem em datas diferentes, o grupo costumava apostar em vários jogos ao longo de um fim de semana, em apostas casadas, para multiplicar os lucros.
APOSTAS NO ESTADUAL
Kevin Lomónaco é um dos jogadores que confessou participação no esquema, fez acordo com o MP e não foi denunciado. As investigações mostraram que ele recebeu R$ 30 mil para tomar um cartão amarelo na partida entre Bragantino e América-MG, pelo Brasileirão de 2022, no dia 5 de novembro. O jogador, no entanto, cobrava da quadrilha o pagamento de uma segunda parcela, de R$ 40 mil, que foi prometida e não paga.
É neste contexto que ele volta a ser procurado por Luís Felipe, que pede a ele que faça um pênalti em troca do pagamento da dívida e de novos valores, e afirma ter um jogador do Flamengo comprometido com o esquema. Lomónaco, no entanto, frustra os planos do apostador.
Em vários outros trechos de conversas, os campeonatos estaduais são vistos como uma fonte de manipulação de jogos para a quadrilha. Eles demonstram particular interesse nas primeiras rodadas do Estadual, especulando os tipos de mercado que os sites de aposta abririam para cada campeonato.
Bruno Lopez, apontado pelas investigações como o líder do grupo, escreve em 14 de janeiro que já teria quatro jogadores acertados para o Campeonato Carioca: “Carioca já tenho 4 atleta.”
Três dias depois, Bruno relata para Thiago que já tem dois jogadores confirmados, um do Bangu e outro do Volta Redonda. Chambó pergunta se eles são titulares absolutos, e Lopez confirma. “Acho que vou desenrolar mais um. Do Rj. Esses caras são certos né”, questiona Thiago, ao passo que Bruno responde: “100%”.
No fim do mês, já depois do jogo citado entre Flamengo e Bangu, Bruno diz que pagou dois atletas de times menores do Estadual. “Eu tenho dois pago (sic) já no Carioca, um Nova Iguaçu e um Boa Vista”, explica Bruno, que afirma também que já enviou um adiantamento para os atletas.
QUINZE JOGADORES DENUNCIADOS
Ainda no Brasileirão de 2022, o Botafogo também foi citado por um dos apostadores. Bruno Lopez, apontado como chefe da quadrilha, diz ter um grupo com oito jogadores do clube que estariam interessados em participar do esquema. O alvinegro, assim como o Flamengo, também não tem jogadores denunciados ou citados na investigação. Do Fluminense, o meia Nathan foi citado nas conversas, tendo supostamente recebido um valor para receber um cartão amarelo. Vitor Mendes, zagueiro tricolor que ano passado estava no Juventude, também aparece em situação parecida.
Ao todo, o MP-GO denunciou quinze atletas de diversos clubes por participação no esquema. Quatro deles, incluindo Lomónaco, fizeram acordo. Na investigação, mais de outros 30 atletas foram citados, alguns foram afastados ou dispensados pelos seus clubes, mas não respondem juridicamente, nem no STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), que suspendeu preventivamente os atletas denunciados. Dentre todos esses nomes, não há nenhum jogador do Flamengo citado nominalmente até esta fase da investigação.
Nesta semana, o clube realizou duas ações com os atletas sobre o tema. Na segunda, convidou o senador Carlos Portinho para conversar com os jogadores do elenco profissional sobre a MP das apostas esportivas e o escândalo da máfia das apostas. Na terça, o setor de RH deu uma palestra para os jogadores do sub-20 sobre o tema.
Fonte: O Globo