José Alves de Azevedo Neto é o nono entrevistado da série “Campos dos Goytacazes: entre becos e saídas” - Tribuna NF

José Alves de Azevedo Neto é o nono entrevistado da série “Campos dos Goytacazes: entre becos e saídas”

Por Marcos Pedlowki

O economista José Alves de Azevedo Neto,  técnico de Nível Superior da Agência UENF de Inovação- AgiUENF, possui também um título de Mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades pela UCAM/Campos.  Na nona entrevista da série “Campos dos Goytacazes”, José Alves de Azevedo Neto esmiuça alguns dos argumentos chaves que têm sido utilizados pelo prefeito Rafael Diniz para justificar algumas das suas principais opções no modelo de gestão adotado a partir de janeiro de 2017, mostrando as incongruências existentes entre discurso e prática, principalmente entre que prometeu o candidato e o que entregou o prefeito eleito.

Além disso, José Alves de Azevedo Neto ilustra de forma bastante estruturada as principais razões pelas quais o município de Campos dos Goytacazes acabou não dando o devido o salto para frente após o início da entrada bilionárias dos recursos do petróleo no tesouro municipal.

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BLOG DO PEDLOWSKI (BP): Em suas pesquisas o senhor vem levantando uma série de elementos sobre a dependência da economia de Campos dos Goytacazes em relação aos recursos gerados pela exploração do petróleo na bacia de Campos, bem como sobre os desafios existentes para que se promova um processo de diversificação econômica que diminua essa dependência. Nesse sentido, quais foram suas principais descobertas e como estamos em termos de alcançar essa desejada diminuição da dependência em relação aos royalties do petróleo?

JOSÉ ALVES DE AZEVEDO NETO (JAAN): Antes de mais nada aproveito o espaço para dizer, que realizei a minha Dissertação de Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades na UCAM, sobre  o Fundo de Desenvolvimento de Campos (FUNDECAM), orientado pelo professor José Luís  Vianna da Cruz, quando pude fazer algumas descobertas e constatar que a economia de Campos, ao longo da sua história, por ter como base a monocultura canavieira, construiu um quadro de concentração de renda, de desigualdade social e de pobreza, sequelas próprias de um sistema econômico monocultor.

Este quadro permaneceu durante os anos de 1970 a 1990, transformando-se em um desafio às lideranças empresariais e políticas da região. Essas elites tiveram oportunidades de reverter tal conjuntura econômica e de dependência social, por meio da diversificação da economia local e não o fizeram, tanto na época dos fartos recursos do ciclo da agroindústria sucroalcooleira, quanto no ciclo do petróleo, ainda em vigor.

O que se percebe nesta conjuntura marcada pelo ciclo do petróleo, que os mandatários do poder local e gestores das rendas petrolíferas, optaram em se articular com a velha aristocracia rural, ao invés de se articularem com os agentes identificados com o setor de petróleo.

Apenas para se ter  ideia da dimensão da aliança dos administradores municipais de outrora, com o segmento canavieiro, verificou-se que, o setor da indústria de transformação que se implantou em Campos, visando fornecer os seus produtos à Petrobras, recebeu de 2002 a 2014 do FUNDECAM, o valor real de R$ 69,926 milhões, menos do que o setor sucroalcooleiro, cujo  valor real aportado nas atividades da indústria e da agricultura somaram o valor de R$ 105,360 milhões. Estes valores estão corrigidos até junho de 2018.

Assim, de acordo com esses dados, pode-se dizer,  os governos que ocuparam a prefeitura antes do atual, promoveram   inversão de prioridade, no que se refere ao desenvolvimento local, dando clara demonstração de ausência de planejamento de curto, médio e longo prazo, o pior,  foram incapazes de promover uma política industrial municipal no sentido de se desenvolver o município de forma integrada, à cadeia de produção do petróleo, que fica,  à 100 km de Campos.

Além do mais, em virtude da alta soma financeira recebida pelo município de rendas do petróleo, poderiam, sim, atrair outras indústrias, seja do ramo alimentício, seja da confecção e de serviços tecnológicos e outros, construir, contudo, outras alternativas de cadeias de produção, gerar empregos e rendas no sistema econômico local, sem prescindir, obviamente, do capital intelectual existente nas  instituições de ensino e pesquisas de ponta da nossa cidade.

A construção dessas cadeias de produção, certamente, provocaria a independência da economia municipal, e ainda, protegeria o município de eventuais crises do mercado internacional do petróleo, como a que se vive atualmente.

Agora, no que se refere a alternativa de se diminuir a “petrodependência”, contemporânea, certamente, passa por uma discussão profunda e ampla com a sociedade civil organizada, arregimentando, os empresários, os sindicatos, os clubes de serviços, as universidades públicas e privadas, o governo municipal, em razão de  estarmos no fundo do poço, submersos numa conjuntura,  de crise social e econômica, sem precedentes na história.

Nesta mesma linha de raciocínio, sem esquecer, o setor da indústria petrolífera segmento estratégico para a região, sobretudo, a partir da implantação do Porto do Açu, no município vizinho de São João da Barra, que deve se transformar e se fortalecer numa base portuária de apoio offshore

Isso porque,  nos tempos da fartura financeira os agentes econômicos da nossa terra se furtaram ao jogo coletivo, acho que agora em face deste cenário de escassez de recursos financeiros,  o coletivo se constitui no caminho viável,  para se edificar a alternativa do sonhado  modelo de desenvolvimento aplicável, a realidade econômica e social  da Planície Goytacá.

(BP): Após 1,5 ano de existência, como o senhor avalia o desempenho do governo comandado pelo prefeito Rafael Diniz em termos da entrega da sua principal promessa de campanha que era melhorar a eficiência da máquina pública do município de Campos dos Goytacazes?

(JAAN):  Sinceramente acho que o choque de gestão anunciado na campanha eleitoral do ano de 2016, pelo candidato Rafael Diniz, não ocorreu. A máquina da prefeitura continua muito inchada, paquidérmica e ineficiente, entra gente todo dia.  Pode ser que ainda ocorra. A prestação de serviços por parte dos órgãos da prefeitura deixa muito a desejar.

Percebo que tudo aquilo que o prefeito eleito no primeiro turno com mais de 150 mil votos criticava do ponto de vista administrativo, continua fazendo. Infelizmente, a população acreditou que ele encarnava o tão desejado sonho de mudança de rumo da gestão da coisa pública, inovaria às práticas políticas, por conseguinte, haveria o rompimento da mentalidade oligárquica, traço forte da estrutura social campista. A realidade demonstra que nada mudou. “São os novos arautos trazendo as velhas mensagens”.

A guisa de exemplo, criticavam de forma veemente, a estrutura administrativa da prefeitura, alegavam sempre nos seus discursos, que a máquina pública estava totalmente inchada. Por conta do excesso de cargos criados pela Prefeita Rosinha, na intenção de aparelhá-la de acordo com os interesses dos vereadores da base governista da Câmara. E quando assumiu a prefeitura no dia primeiro de janeiro de 2017, teve a oportunidade, juntamente, com a sua equipe de gestores qualificados, de encaminhar ao Poder Legislativo  a sua reforma administrativa ,  com o objetivo de enxugar as Secretarias, as Superintendências, as Diretorias, dando agilidade a máquina pública, maior eficiência e eficácia, com isso, prestar melhores serviços ao contribuinte sobrecarregado pelos altos impostos.

Infelizmente, o primeiro mandatário de Campos, manteve a antiga estrutura de cargos que tanto criticava, e o pior, continuou o processo de loteamentos deles, mediante a indicação dos ilustres edis. Do jeito e da maneira que se faziam no passado. Registra-se, sem contar a sua falta de coragem de cortar os gastos de alguns contratos de empresas fornecedoras de bens e serviços herdados, do outro governo, principalmente, aos relacionados a área da saúde, onde se possui um dos maiores orçamentos do país, cujo valor poderá chegar ao final deste ano, em R$ 700 milhões. Talvez, essas sejam uma das razões da ineficiência da administração pública municipal, em que os reflexos negativos, comprometem, sobremaneira, as políticas públicas, nas diversas áreas sociais do município.

(BP): Ao longo desse período inicial do governo Rafael Diniz, temos ouvido e lido diversas declarações do prefeito e de alguns de seus principais secretários sugerindo que o município de Campos dos Goytacazes vive a maior crise econômica de sua história, e que eles têm nas mãos uma espécie de “herança maldita” deixada pela administração da prefeita Rosinha Garotinho. Em sua opinião, a tese da herança maldita explica o descompasso que estamos presenciando entre as promessas de campanha e as práticas de governo? Por favor, elabore.

(JAAN): Acho o argumento por parte do governo extremamente refratário. Todos sabiam, inclusive, o então vereador Rafael Diniz, fiscal do Governo Rosinha por quatro anos, que a prefeitura estava com a saúde financeira combalida. Declarar, após assumir os destinos de Campos, o desconhecimento do quadro de desequilíbrio financeiro e fiscal da prefeitura, na minha opinião, este discurso por parte do governo não convence. Claro, é inegável, a existência da herança maldita. Mas o que que o grupo político atual vem fazendo para mitigar ou reverter no curto e médio prazo a herança maldita?

Gastaram, por exemplo, no primeiro quadrimestre de 2018, conforme está no Balanço Orçamentário da Prefeitura, o valor de R$ 715,938 mil  na mídia local, na Superintendência de Trabalho e Renda, órgão responsável pelos cursos de qualificação de mão-de-obra, apenas, zeros reais e na Agricultura, setor estratégico,  relevante  na retomada do crescimento econômico local, o ordinário valor de R$ 124,950 mil, num município, cuja economia  patina. Entendo que há alguma coisa errada. Ou seja, estamos diante de uma flagrante inversão de prioridade. Lamentável.

Acrescento ao contexto, houve melhora da receita total arrecadada da prefeitura de janeiro a abril de 2018, chegou ao valor de R$ 620,784 milhões e a do mesmo período de 2017 ficou em R$ 505,469 milhões, esse crescimento de janeiro a abril de 2018 representou 22,79%. Sabe-se, ainda, que a dívida da prefeitura é alta. Só que do jeito que o atual grupo político administra a cidade, com toda a certeza, não irão muito longe. Os números acima não deixam dúvidas. O governo Diniz, como se vê, está preocupado com a sua imagem. Por que será?

(BP): Como o senhor vê o processo de descontinuação das políticas sociais herdadas de administrações anteriores, e mais especificamente aquelas voltadas para fomentar a geração de renda e empregos? Até que ponto a interrupção dessas políticas serviu para melhorar a eficiência do uso de recursos públicos em Campos dos Goytacazes

(JAAN): Lamentável e triste, a postura do governo Diniz, ao cortar os programas sociais. Implementar ações de austeridade fiscal sobre a população necessitada demonstra, total insensibilidade do governo com as questões sociais. Há um exército de pessoas na periferia da cidade passando fome na atual conjuntura.   Estas medidas fiscalistas, apenas, contribuem para agravar e aprofundar o quadro de crise social, que hoje, castiga o município. Basta percorrer as principais avenidas da cidade, para se observar o aumento significativo, de cidadãos pedindo esmolas ou vendendo bala e outros produtos para manter a sobrevivência da família, nos semáforos.

Isso sem contar na redução do fluxo de renda corrente na economia, decorrente dos programas sociais que impacta, positivamente, a demanda do segmento   comercial de bens e serviços, porque não dizer, responsável, também, por contribuir para o desemprego. Somente no ano passado, o município perdeu 2.992 empregos com a carteira assinada, segundo o CAGED. Considero este número, um alto custo social para a cidade.

Diante deste cenário, esquecem, os competentes membros da equipe econômica do Governo Diniz, que o orçamento público, possui o seu aspecto fiscal, sim, mas o que adianta tentar “equilibrar a receita e a despesa” se o outro aspecto do orçamento, o da justiça social, encontra-se, em detrimento. A Economia é uma ciência social. Não há sentido algum ter um sistema econômico, onde o ser humano vive no seu profundo desconforto social. Assim não dá.

(BP): Um dos grandes desafios que o município de Campos dos Goytacazes vem enfrentando desde a promulgação da chamada Lei do Petróleo é usar de forma efetiva os recursos bilionários aportados no tesouro municipal via o pagamento de royalties e participações especiais.  No tocante à atual administração, o senhor tem visto alguma mudança qualitativa no uso destes recursos em relação a outras administrações, especialmente no que se refere ao apoio ao incentivo de ações estruturantes que garantam uma melhoria no desempenho econômico do nosso município?

(JAAN): Não. Se os recursos estivessem sendo usados de forma qualitativa, dentro do critério de racionalidade e obedecendo o princípio da economicidade, a mídia amiga do poder, deixaria de ter prioridade em detrimento de setores relevantes da nossa economia, como já dissemos anteriormente.

Em relação ao uso de recursos em ações estruturantes, infelizmente, não identifico, nenhum projeto até agora.

(BP): Tenho notado um grande desapontamento em muitos cidadãos que optaram por votar no prefeito Rafael Diniz e na sua promessa de mudança. Em sua opinião, existe mesmo esse desapontamento? E se sim, este desapontamento é justo ou vivemos uma situação de cobrança exagerada sobre um governo que nem chegou na metade da sua duração?

(JAAN): Existe desapontamento, sim, em todas as classes sociais, inclusive, tive acesso a pesquisa que confirma. Reconheço que esse sentimento é mais do que justo. O prefeito na campanha eleitoral fez várias promessas que não pode cumprir. Vendeu o que não tinha para entregar. Não há desculpas no sentido de afirmar que desconheciam o quadro caótico das contas públicas. O prefeito foi vereador de oposição por quatros anos. Alegar que o governo antecessor negava os seus pedidos de informações, não é uma justificativa plausível. Todos sabem, principalmente, os vereadores do que ocorre dentro da prefeitura. A informação chegava, com certeza, a ele de uma forma ou de outra.

(BP): Em sua opinião, quais têm sido até aqui os principais defeitos e qualidades do governo Rafael Diniz?

(JAAN): O principal defeito, reafirmo, constitui a falta de prioridades nos gastos públicos. A qualidade está na parceria do governo e as universidades.

(BP): O nosso município vive um momento muito delicado da sua história com altos níveis de desemprego e violência. Em sua opinião, quais passos deveriam ser adotados pelo prefeito Rafael Diniz para que possamos iniciar o processo de superação desse momento?

(JAAN): O primeiro passo no que diz respeito ao desemprego, o governo, deve ampliar os cursos de qualificação, sobretudo, em áreas ligadas a Tecnologia da Informação. Este segmento senti menos a crise econômica.

Sobre a violência, o Prefeito, na sua esfera de competência deve ampliar as ações do guarda civil municipal integrada, às outras forças policiais do estado. No ensejo, solicitar ao Governador Pezão, atenção especial ao município, pois a população, sobretudo, a do Distrito de Guarus, vive sobressaltada com a escalada da violência. Inclusive, escolas estão sendo fechadas no bairro de Santa Rosa, pelo poder paralelo do tráfico da área, intimidando os alunos e os seus pais.  A situação lá é muito séria.

(BP): Há algo que o senhor gostaria de abordar que não foi perguntado por mim?

(JAAN): Não. Muito obrigado.

*Marcos Pedlowski é Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense em Campos dos Goytacazes, RJ. Bacharel e Mestre em Geografia pela UFRJ e PhD em “Environmental Design and Planning” pela Virginia Tech.

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