Inflação de alimentos no Brasil explicada: mudanças climáticas e hegemonia do agronegócio, juntos e misturados
Por Marcos Pędłowski
Eu como milhões de brasileiros ando sentindo com desgosto a disparada nos preços dos alimentos. Mas, ao contrário de muitos, não vou culpar apenas me restringir a culpar este ou aquele governante. Prefiro olhar para questões mais amplas e alarmantes em termos da persistência e até agravamento do problema inflacionário.
Uma primeira questão inescapável é que a produção de alimentos está sentindo os efeitos dos extremos que caracterizam o novo padrão climático. É uma combinação de muita com pouca chuva (inundação versus seca) e ondas de calor que estão mais fortes e persistentes. Com essa situação climática extrema, não há como evitar a perda de safras ou, pelo menos, a diminuição das safras.
A questão climática é algo que se torna particularmente urgente, pois afeta a produção de comida e atinge a todos, mas mais fortemente os mais pobres. É que oferta menor em face de demanda persistente tende inevitavelmente sempre a gerar preços mais altos.
Por outro lado, o Brasil deverá passar a sofrer oscilações para cima nos preços dos alimentos essenciais à maioria dos brasileiros porque simplesmente a área que está sendo plantada com commodities de exportação (i.e., soja, milho, cana, algodão) está engolindo áreas em que se plantava até bem pouco tempo feijão e arroz. Os dados que mostram isso estão disponíveis para quem quiser ver.
Em outras palavras, o avanço do agronegócio de exportação vem causando uma diminuição considerável na área utilizada para o plantio de alimentos. Os barões do agronegócio brasileiro já fizeram sua opção: eles preferem plantar soja para alimentos vacas e porcos na Europa e na China do que plantar o velho e bom feijão para matar a fome dos brasileiros (por exemplo, entre 1976/77 e 2020/21, a área plantada de feijão no Brasil diminuiu 35%, de 4,9 para 2,9 milhões de hectares).
Desde os anos 2000, o país vem perdendo área de cultivo de alimentos para a produção de commodities para exportação, sobretudo de soja. Silvio Avila/AFP
Para completar essa hegemonia do agronegócio sobre a produção agrícola brasileira, o Brasil não possui hoje os salvadores de outras épocas, os estoques reguladores. Os estoques reguladores de alimentos foram extintos pelo governo de Jair Bolsonaro, o que praticamente eliminou os estoques públicos. Com isso, o agronegócio ficou com as mãos soltas para vender tudo para o exterior, aliviando-se de pagar impostos graças à Lei Kandir.
Agora em meio às pressões oriundas do agravamento da crise climática que afeta áreas produtoras em todo o mundo, o Brasil não possui os estoques que poderiam ser lançados para baixar os preços, como fez recentemente o Japão no caso do arroz quando usou sua reserva estratégica para controlar a carestia desse item tão essencial na culinária japonesa.
O fato inescapável é que a combinação entre o agravamento da crise climática e a persistência da hegemonia do agronegócio deve manter os preços dos alimentos altos, caso não seja retomada imediatamente a política de se criar estoques reguladores. Mas é aí que a porca torce o rabo: teráo governo Lula a disposição de enfrentar o poder político dos barões? Entretanto, se nada for feito, já se sabe que a corrida eleitoral de 2026 será um passeio no parque para a extrema-direita, já que eleições no Brasil continuam a ser fortemente afetadas pela quantidade de comida que se pode colocar no carrinho de supermercado.
*Marcos Pędłowski é Bacharel e Mestre em Geografia pela UFRJ e PhD em “Environmental Design and Planning” pela Virginia Tech. Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense em Campos dos Goytacazes, RJ., com atuação nos Programas de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Ecologia e Recursos Naturais. Pesquisador Colaborador Externo do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Universidade de Lisboa.
