02/05/2025
Região

Desapropriações no Porto do Açu: 13 anos de negação de direitos e violências contra os agricultores do V Distrito

Por Marcos Pedlowski

Este final de ano será particularmente sombrio para centenas de famílias de agricultores no V Distrito de São João da Barra que tiveram suas terras expropriadas pelo ex (des) governador Sérgio Cabral para a instalação de um natimorto distrito industrial na retroárea do Porto do Açu.   Ao tomar mais de 7.500 hectares de terras de seus legítimos proprietários e entregá-los sem qualquer base legal para usufruto do Grupo EBX (que posteriormente repassou essas terras para a Prumo Logística Global), Sérgio Cabral realizou uma reforma agrária às avessas e criou um imenso latifúndio improdutivo que 13 anos depois permanece completamente abandonado, e sem perspectiva de que a finalidade manifesta (a criação de um distrito industrial seja realizado).

O problema é que ao contrário do tratamento dado a latifundiários no momento da desapropriação de seus latifúndios, o estado do Rio de Janeiro nunca cumpriu o que está previsto tanto na Constituição Federal quanto na Estadual no tocante ao processo de ressarcimento financeiro aos agricultores que tiveram suas terras tomadas. O que deveria ter sido um processo razoavelmente rápido ainda se arrasta lentamente nos tribunais, com uma sucessão de conflitos sobre quem pode avaliar as terras desapropriadas.

Mapa das desapropriações no V Distrito produzido pela LLX Açu Operações Portuárias

A disputa em termos da peritagem tem sido complicada pelo fato da Prumo Logística Global ter se apresentado como parte interessada das desapropriações, sem que haja muita clareza sobre o que dá a sustentação jurídica para isto. Entretanto, ainda que só tenha chegado depois da instalação do processo de desapropriação, a Prumo vem sendo aceita como parte interessada, o que acabou atrasando ainda mais o início do pagamento das indenizações.

Se o problema não fosse grande o suficiente, os agricultores ainda têm assistido a uma constante troca de juízes responsáveis pelos processos, com repercussões sobre o processo de peritagem e valoração das terras.   Com isso, processos que já tinham sido praticamente concluídos tiveram que basicamente voltar à estaca zero com a realização de novas peritagens, as quais, invariavelmente, reduzem os valores que peritos anteriores haviam atribuído às propriedades tomadas pelo governo estadual.

Um jurista que acompanha o caso me alertou que uma lei municipal de 2017, a Lei No. 500, determinou que o valor referência do metro quadrado no V Distrito de São João da Barra deve ser de R$ 800,00. Com isto, o valor das indenizações deverá ser milionária para muitas das famílias afetadas pela tomada de suas terras.  Um problema que isto acarreta é que, na possibilidade de novas peritagens levarem esse valor como referência, não seria de se estranhar se aumentarem as pressões para que as famílias aceitem negociar suas terras com os famosos “contratos de gaveta”, mas por valores muito abaixo do que foi estabelecido pela Lei No. 500.

Toda essa situação reflete bem o tratamento díspare que tem sido dado às partes interessadas na disputa agrária que foi aberta em 2010 e que se arrasta, sem previsão de conclusão, até hoje.  Quem quiser saber um pouco mais sobre esse imbróglio das desapropriações na retroárea do Porto do Açu, sugiro a leitura da dissertação defendida pelo meu ex-orientando Felipe Medeiros de Alvarenga no Programa de Políticas Sociais da Uenf sob o título de “Os deserdados do desenvolvimento: o caso da implantação do Complexo Portuário e Industrial do Açu e seus impactos socio-territoriais“.

*Marcos Pędłowski é Professor Associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense em Campos dos Goytacazes, RJ. Bacharel e Mestre em Geografia pela UFRJ e PhD em “Environmental Design and Planning” pela Virginia Tech. Pesquisador Colaborador Externo do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Universidade de Lisboa.

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