Delação de Edmar: ex-secretário de Witzel gravou conversas com vários políticos - Tribuna NF

Delação de Edmar: ex-secretário de Witzel gravou conversas com vários políticos

RIO — Sentindo-se “fritado” depois que veio à tona o escândalo do superfaturamento de contratos da pasta que comandava, o ex-secretário de Saúde Edmar Santos decidiu seguir o conselho de um deputado com quem costumava conversar sobre a crise. Passou a gravar suas conversas com vários políticos e decidiu guardar o material que, agora, usará para se defender da acusação de que seria o chefe do esquema de desvios de verbas em compras emergenciais para o combate à Covid-19. O teor das conversas é mantido sob sigilo, mas, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, são parte fundamental do acordo de delação premiada que firmou com a Procuradoria Geral da República (PGR), um tipo de benefício que só é validado mediante a apresentação de provas. Ele teria gravado diálogos com o governador Wilson Witzel e o pastor Everaldo Dias Pereira, presidente do PSC.

Edmar foi preso no dia 10 de julho, sob a acusação de ser um dos chefes de um esquema de corrupção que teria desviado R$ 1 bilhão em compras durante a pandemia. Uma série de denúncias sobre superfaturamento e direcionamento de editais foi feita na gestão do ex-secretário. De sete hospitais de campanha, apenas dois foram inaugurados, mesmo assim com capacidade abaixo da prevista. Mil respiradores para pacientes infectados em estado grave, pelos quais o estado pagou R$ 36 milhões, nunca chegaram. Desse total, apenas 52 foram entregues, e nenhum era adequado para o tratamento da Covid-19.

Em nota, a assessoria de Wizel frisou que ele não foi informado sobre o conteúdo da delação premiada de Edmar e que jamais teve, em toda a sua gestão, “qualquer conversa que não fosse a respeito de assuntos governamentais e de interesse da população fluminense com o ex-secretário de Saúde ou com qualquer outro integrante do governo”. O pastor Everaldo, presidente do partido do governador, também afirmou que desconhece detalhes do acordo firmado pelo ex-secretário com a PGR, mas disse que está à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos necessários.

Para firmar o acordo com a PGR, que pode livrá-lo da denúncia, Edmar também se prontificou a devolver R$ 8,5 milhões aos cofres públicos. Esse foi o valor encontrado em espécie durante as ações de busca e apreensão da operação Mercadores do Caos, conduzida pelo Ministério Público estadual. Por decisão do Superior Tribunal de Justiça, as investigações deixaram o MP e estão concentradas em órgãos federais. Por ter foro privilegiado, Witzel é investigado no STJ e, por isso, todos os outros réus, pelo entendimento da Corte, também devem responder pelos atos no mesmo processo. O acordo de delação foi formalizado pelo ministro Benedito Gonçalves, do STJ, dias depois de Edmar ter sido solto, a pedido da própria PGR. Ao deixar a prisão, Edmar foi ouvido pelo ministro do STJ, como determina a lei para casos de delação premiada. Oficial da Polícia Militar, o ex-secretário ficou preso no Batalhão Prisional Especial da corporação, em Niterói.

Além de conversas telefônicas, Edmar teria gravado mensagens de áudio e texto trocadas por aplicativos de celular. Há ainda registros de conversas entre Edmar e deputados da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O ex-secretário teria detalhado todo o processo de aquisição de itens para pandemia, que agora estão sob investigação. Para os investigadores, o volume de dinheiro mobilizado e de empresas envolvidas indicam que as fraudes envolveram um grande grupo de pessoas.

— Edmar responsabiliza outras pessoas, recebia ordens inclusive de um político que não trabalha no Palácio Guanabara. Também teve empresários e deputados envolvidos — afirmou uma pessoa que teve acesso à delação de Edmar.

Em nota, a Alerj informou que não vai comentar delação sigilosa à qual não teve acesso nem conhecimento.

Reviravolta

As investigações sobre as fraudes do Rio tiveram uma reviravolta após a subprocuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, ter solicitado a federalização das investigações. No pedido, ela mencionava que a competência da investigação era federal e que o MP do Rio não teve acesso a provas que colocariam Witzel no “vértice da pirâmide” da organização criminosa que atuou na pasta da Saúde. O MP do Rio, até então, trabalhava com um organograma do esquema de fraude que tinha Edmar Santos no topo. Dois ex-subsecretários de Saúde presos, Gabriell Neves, e Gustavo Borges, em depoimentos à Polícia Civil do Rio, não fizeram qualquer menção a uma participação de Witzel nos atos investigados. Gabriell, entretanto, citou Edmar, que, de acordo com ele, sabia de todas as negociações de compras da Saúde.

A possibilidade de gravações comprometerem o Executivo e o Legislativo aumenta ainda mais a tensão política no estado, em meio ao andamento de um processo de impeachment aberto na Alerj contra Witzel. Edmar assumiu a Secretaria de Saúde logo no início do governo, em janeiro de 2019, e foi afastado da pasta em maio deste ano, quando explodiram as denúncias de irregularidades. Na época, deixou um cargo para assumir outro: Witzel criou a Secretaria Extraordinária de Acompanhamento das Ações Governamentais Integradas da Covid-19 para acomodá-lo, mantendo seu status de integrante do primeiro escalão. A ação foi vista por opositores como uma tentativa de blindá-lo. Edmar teria decidido denunciar outras pessoas ao perder lugar no governo e ser preso.

O Globo*

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