Jorge Paulo Lemann: ‘O que eu gosto mais é que toda crise é cheia de oportunidades’
RIO – O empresário Jorge Paulo Lemann, segundo brasileiro mais rico, afirmou nesta quinta-feira que sua trajetória prova que “toda crise é cheia de oportunidades” e que, “francamente, é disso que eu mais gosto”. Em debate virtual, o controlador de gigantes como AB InBev, Kraft Heinz e Burger King – conhecido por aquisições ousadas – disse que é em momentos como esse que “certas coisas que não estavam disponíveis passam a estar disponíveis.”
– O que eu gosto mais, francamente, é que toda crise é cheia de oportunidades. Todas as crises que eu passei foram duras, eu sofri, não sabia muito bem como iria chegar ao fim, mas alguma oportunidade apareceu – contou Lemann, em conferência organizada pelo Fórum da Liberdade, da qual também participaram os empresários Roberto Setubal (Itaú Unibanco), José Galló (Renner) e David Vélez (Nubank).
O sócio da 3G Capital citou a compra das Lojas Americanas, em 1981, em época de inflação elevada, “quando ninguém queria comprar ativos.”
– Foi um bom negócio e nos permitiu comprar a (cervejaria) Brahma num momento oportuno, de eleição com resultado incerto. Compramos a Brahma por um preço muito barato. E, em 2008, tivemos a oportunidade de comprar a Anheuser-Busch – afirmou Lemann, acrescentando: – As oportunidades que aproveitamos em momento de crise foram melhores do que as que aproveitamos em momentos normais e pagamos mais caro.
Mas Lemann observou que não se trata apenas de uma questão de preço, sugerindo que a crise faz com que muitos negócios se transformem em alvos potenciais de aquisição, deixando de lado as reticências de tempos normais.
`Estamos atrasados no digital, mas vamos chegar lá`
Lemann, que já se definiu como “dinossauro apavorado” e “dinossauro se mexendo”, voltou a admitir que seus principais negócios estão atrasados na estratégia digital.
– Estamos um pouco atrasados no mundo digital por causa do nosso tipo de negócio. Estamos correndo atrás em todas as nossas empresas. Começamos um pouco atrasados, mas vamos chegar lá – disse, afirmando que, na crise, o principal objetivo é “sobreviver e sobreviver bem.”
Entre o que já foi feito nessa seara, ele citou o braço digital das Lojas Americanas, a B2W (Submarino, ShopTime e Americanas .com), e afirmou que o Burger King está observando a estratégia da Domino`s Pizza, “que é a mais digital no ramo da comida rápida”. Há dois anos, circularam rumores de que a rede de hambúrgueres avaliava adquirir a cadeia de pizzarias, mas o negócio não se concretizou.
– Na parte de cerveja, temos vários produtos digitais, estamos testando a entrega mais rápida para clientes e consumidores. O importante é toda a informação que você começa a gerar a partir disso – ressaltou.
Para os empresários que participaram da conversa, a digitalização será, de fato, um caminho incontornável nesta crise. Vélez, diretor executivo do Nubank, disse que a pandemia está provocando uma aceleração na adoção de bancos digitais como o seu, elevando a penetração em grupos da população como o de idosos. O Nubank é um dos bancos pelos quais os beneficiários do auxílio emergencial de R$ 600 poderão receber o dinheiro.
No Itaú, crise vai acelerar fechamento de agências
Setubal, co-presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, previu que a adoção de alternativas digitais pelos correntistas vai acelerar o fechamento de agências bancárias.
– Essa crise significará, no futuro, menos agências. São os clientes que vão definir o número de agências que teremos. Hoje, certamente muitos clientes vão a agências. Mas o pessoal mais jovem definitivamente não gosta. Temos cortado cerca de 400 agências por ano, e essa tendência deve se acelerar nesse momento – observou.
Ele previu também que o fenômeno do home office tende a ser adotado permanentemente pelas empresas no pós-crise, inclusive pelo Itaú.
– Pelo menos 30% das pessoas poderão trabalhar em casa, tranquilamente. Tudo mais flexível, sem regras, o banco vai funcionar. Isso vai exigir menos espaço comercial. As pessoas vão deixar de ter o seu lugar fixo nas instalações da empresa – acrescentou, ponderando que essa mudança exigirá uma flexibilização na legislação trabalhista.
Setubal: Nova década perdida
Na macroeconomia, Setubal defendeu a continuidade das reformas econômicas. Ele ressaltou que a pandemia fará com que esta seja mais uma década perdida para o Brasil, lembrando que o país cresceu menos que a média do mundo nas últimas três décadas
– Nessa última década, que termina agora em 2020, o PIB do Brasil cresceu zero. Com o impacto da pandemia, aliás, vamos estar levemente negativos em termos de PIB nesse período. Na década de 80, a década perdida, o PIB per capita não cresceu. Agora, será o PIB que não vai crescer, o que significa uma queda do PIB per capita da ordem de 15%. O que é duríssimo – calculou. – Temos realmente que mudar, precisamos de reformas profundas. Precisaríamos estar crescendo mais rápido. Temos um estado extremamente ineficiente, uma desigualdade enorme.
Lemann também acha que a a crise traz a obrigação “de trabalharmos para diminuir essa desigualdade colossal que nós temos”.
– Não acho que nossa perfomance nas últimas décadas foi exemplar. Talvez essa crise seja a oportunidade de trabalharmos mais juntos, com mais solidariedade. Nos últimos anos, um dos problemas foi a polarização, de ricos e pobres, de esquerda e direita. Eu esperaria que essa crise trouxesse mais bom senso, mais pragmatismo – disse o bilionário.
O Globo*
