02/05/2025
Campos

‘Inaceitável’, diz Amaerj, sobre acusação de ataque racista contra juíza de Campos; ‘resquícios de senzala’ escreveu advogado em petição

Juiza Helenice nasceu em Ceilância, Brasília, e assumiu cargo em 2022 — Foto: Divulgação

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ) determinou à Corregedoria a abertura imediata de investigação para apurar a conduta do advogado José Francisco Abud. Ele é acusado de ter praticado ataques racistas contra a juíza Helenice Rangel, que atua na 3ª Vara Civel de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, conforme antecipou o jornalista Ancelmo Gois, de O GLOBO. Insatisfeito com a decisão da juíza em um processo de inventário, numa petição dirigida à ela, Abud escreveu num trecho: “magistrada afrodescendente com resquícios de senzala e recalque ou memória celular dos açoites” . A juíza Eunice Haddad, presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio (Amaerj) definiu o caso como “inaceitável”. “Racismo é crime e deve ser combatido por toda a sociedade”, concluiu a nota.

O advogado já vinha se comportando de maneira inadequada há algum tempo, enviando e-mails debochados, irônicos e desrespeitosos, além de utilizar palavras de baixo calão, sobretudo dirigidas a magistradas e servidoras, segundo a magistrada. O juiz Leonardo Cajueiro Azevedo, a quem foi distribuído o processo do advogado depois que a juíza se autodeclarou suspeita para atuar no caso devido ao ocorrido, oficiou ao Ministério Público, diretamente ao gabinete do Procurador-Geral de Justiça, pedindo que seja instaurado procedimento criminal para apuração dos possíveis crimes de racismo, injúria racial e apologia ao nazismo.

A reação do advogado teria sido provocada pela negativa da juíza sobre um processo de inventário dos avós maternos, no qual ele queria ser incluído como representante do pai, que já é falecido, sendo que a herdeira, no caso, é a mãe dele, que está viva. No mesmo documento, o advogado cita Josef Mengele, oficial nazista conhecido como “anjo da morte”, além de atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) e citar a Neuralink, empresa de Elon Musk. Num outro trecho ele escreve “venho com a finalidade de evitar omissões fraudulentas tramadas em conluio com notório saber jurídico e seguidas de infundadas decisões prevaricadoras proferidas por bonecas admoestadas das filhas das Sinhás das casas de engenho”.

O ataque gerou reação de outras entidades de classe, além da Amaerj e OAB-RJ. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reiterou seu repúdio à ação conduzida pelo advogado e afirmou que confia na apuração e responsabilização rápida e eficaz, “além de reafirmar sua determinação em instituir ações afirmativas que resgatem uma dívida histórica de um povo que foi escravizado e sofre, até os dias de hoje, consequências de uma estrutura opressora, injusta e desigual”. O Tribunal de Justiça do Rio se solidarizou com a juíza e informou ter encaminhado o caso ao Ministério Público e à Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro (OAB/RJ), para apuração rigorosa das responsabilidades nas esferas criminal e disciplinar.

A juíza Leidejane Chieza, presidente do GT-Mulheres Negras do TJRJ, classificou a conduta do advogado como muito triste, por ter partido de um profissional do Direito, que deveria atuar de forma auxiliar à magistratura. Na sua avaliação, ele tratou a juíza de Campos como se ele fosse um senhor de engenho e estivesse se dirigindo a escravizados.

— A situação que ela (a juíza) vive dói em toda a classe, em toda a magistratura, mas principalmente em relação às pessoas negras — disse. —Espero que ele seja punido de maneira exemplar. Espero que a Ordem dos Advogados dê uma resposta à altura de formas que os outros advogados vejam que esse tipo de conduta é inaceitável. — completou.

De origem pobre, Helenice Rangel é ex-moradora de Ceilândia, cidade satélite de Brasília. Caçula de seis irmãos, é filha de um pasteleiro, de quem sempre ouvia que “filho de pobre não passa em concurso por ser um jogo de cartas marcadas”. Já a mãe, costureira que estudou até a antiga sétima série — o pai cursou até a quarta —, via na educação uma maneira de atingir os sonhos. Ela foi empossada em julho de 2022 numa turma de 52 magistrados, do qual era a única mulher negra e cotista.

Em 2008, como servidora do Judiciário, o contato com os processos da Vara de Família e de Órfãos e Sucessões do Distrito Federal acabou despertando nela a vontade de cursar Direito. Depois de formada, resolveu estudar para o concurso do TJ do Rio, apesar da fama de violência do estado. Aprovada, assumiu uma vara numa comarca do interior, destino dos 52 novos magistrados

—Sou a única mulher cotista. Represento as minorias: mulheres, negros, pobres. Minha mãe está muito orgulhosa. Eu pergunto sempre: “Mãe, já caiu a ficha (de que ela é uma juíza)”. Ela me responde: “Filha, ainda está caindo” — brincou, na ocasião da posse.

O advogado José Francisco Abud foi procurado por telefone e por meio de mensagens e e-mail, mas ainda não se manifestou sobre a acusação.

O que diz a OAB-RJ

Assim que tomou conhecimento do caso, a presidente da Seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Ana Tereza Basilio, determinou à Corregedoria a imediata abertura de investigação para apurar a conduta do advogado.

O que diz o Tribunal de Justiça

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro repudia as manifestações racistas direcionadas à magistrada Helenice Rangel, titular da 3ª Vara Cível de Campos dos Goytacazes.

As declarações proferidas pelo advogado José Francisco Abud são incompatíveis com o respeito exigido nas relações institucionais e configuram evidente violação aos princípios éticos e legais que regem a atividade jurídica.

Tal comportamento, além de atingir diretamente a honra pessoal e profissional da magistrada, representa uma grave afronta à dignidade humana e ao exercício democrático da função jurisdicional.

O Tribunal se solidariza com a juíza Helenice Rangel e informa que encaminhou o caso ao Ministério Público e à Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro (OAB/RJ), para apuração rigorosa das responsabilidades nas esferas criminal e disciplinar.

Reitera-se o compromisso permanente contra qualquer forma de discriminação ou preconceito, sobretudo o racismo, prática criminosa que deve ser amplamente repudiada e combatida por toda a sociedade.

Nota da Amaerj

A Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (AMAERJ), instituição que reúne cerca de 1.200 desembargadores e juízes fluminenses, manifesta apoio integral à juíza Helenice Rangel Gonzaga Martins, titular da 3ª Vara Cível da Comarca de Campos dos Goytacazes.

A AMAERJ repudia veementemente o ataque racista praticado pelo advogado José Francisco Abud contra a magistrada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

Por meio de petição e e-mails, o advogado apresentou conduta discriminatória e desrespeitosa, com o uso de palavras de baixo calão, racistas e injuriosas.

Esse caso é inaceitável. Racismo é crime e deve ser combatido por toda a sociedade.

Desde o ocorrido, a AMAERJ vem atuando em defesa da magistrada na adoção das medidas judiciais cabíveis.

A Associação se solidariza com a juíza Helenice Rangel Gonzaga Martins e reitera o apoio ao trabalho dedicado e de alta qualidade realizado pela magistrada.

Reação do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) repudia de forma veemente as manifestações racistas direcionadas à juíza Helenice Rangel, titular da 3ª Vara Cível de Campos dos Goytacazes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) pelo advogado José Francisco Abud. Além de atingir diretamente a honra e a dignidade da magistrada, as ofensas afrontam o Poder Judiciário, que busca, de forma permanente, combater o racismo estrutural e reconhece que o povo negro foi escravizado e marginalizado ao longo da história brasileira.

Em 2022, o CNJ implementou o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial que reúne uma série de medidas para combater e eliminar o racismo e todas as formas de discriminação no âmbito do Poder Judiciário. Além disso, no ano passado, aprovou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial que oferece ferramentas para romper a naturalização histórica do racismo no sistema de Justiça brasileiro.

Desta forma, o CNJ reitera seu repúdio à ação conduzida pelo advogado, confia na apuração e responsabilização rápida e eficaz, além de reafirmar sua determinação em instituir ações afirmativas que resgatem uma dívida histórica de um povo que foi escravizado e sofre, até os dias de hoje, consequências de uma estrutura opressora, injusta e desigual.

Fonte: Com informações O Globo

Leia também:

Juíza de Campos sofre ataque racista de advogado: ‘Resquícios de senzala’

Blog do Ralfe Reis - Conteúdo exclusivo e credibilidade

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *