Com R$ 10,48 bilhões em dívidas, Ambipar pede recuperação judicial

A Ambipar entrou com pedido de recuperação judicial no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A petição foi apresentada na madrugada desta terça-feira, a quatro dias do fim do prazo de 30 dias pelo qual o grupo de gestão ambiental está protegido, por uma medida cautelar, contra execuções movidas por credores.
Com uma dívida de R$ 10,48 bilhões, a companhia recorreu à proteção judicial depois que o Deutsche Bank fez uma cobrança de garantias vinculadas a um empréstimo de US$ 35 milhões contratado em setembro e que poderia, segundo a companhia, funcionar como gatilho para a antecipação de até R$ 10 bilhões em débitos com instituições financeiras.
Na segunda-feira, a Ambipar Emergency Response, que tem sede nas Ilhas Cayman, pediu ingresso no Chapter 11 — processo americano equivalente à recuperação judicial no Brasil — na divisão da Corte de Falências dos Estados Unidos no Texas.
No acumulado deste ano, as ações da companhia acumulam perda de 95,19%. Na segunda-feira, com a expectativa de que o pedido de recuperação fosse entregue à Justiça, os papéis tiveram alta de 52,6%, para R$ 0,58.
A companhia contratou a BR Parterns como assessora financeira. E, às vésperas do pedido de recuperação, passou a contar também com o auxílio da Alvarez & Marsal, como antecipou o colunista Lauro Jardim. A consultoria especializada em reestruturação de empresas vai passar um pente fino nos processos da Ambipar.
Na petição agora entregue à Justiça, a Ambipar pede que seja mantida a proteção contra execuções, mas também que fornecedores fiquem impedidos de interromper contratos com a companhia. Há destaque sobretudo a empresas que fazem leasing de equipamentos para a companhia, sem os quais não seria viável manter as operações.
Outro ponto de destaque no documento é o pedido para que, ao entrar em recuperação judicial, o grupo não fique excluído de participar de licitações públicas e privadas para contratação de serviços dentro de suas atividades, a exemplo de gestão de resíduos e remediação de acidentes.
A companhia garante, no documento, que as operações seguirão normalmente. E que não há planos de demissão de funcionários, que seguirão recebendo seus salários regularmente.
As bases da crise
O movimento iniciado pelo banco alemão é citado como o gatilho do problema, após mudanças nos contratos “desastrosos” de derivativos “que transformaram instrumentos originariamente concebidos para proteger contra a variação cambial em contratos de derivativos especulativos (ou derivativos tóxicos), a exigir chamadas de margem do caixa jamais previstas”.
No documento apresentado à Justiça, empresa diz ainda que contribui para a crise “o pânico que se alastrou no mercado financeiro nos dias que antecederam o ajuizamento da medida cautelar, com declarações de vencimento antecipado de diversas operações financeiras, dando início a uma corrida desenfreada por recursos, liquidação de posições e garantias”, que ocorreram mesmo após a concessão de liminar, em 25 de setembro.
Os contratos com o Deutsche Bank
Para liberar o empréstimo com o Deutsche Bank, a Ambipar firmou contratos de derivativos com o banco para proteger as empresas do grupo contra variações cambiais. Ficou acertado que, caso fosse preciso pagar ao banco valores devido à mudanças no câmbio, isso seria feito por meio de títulos emitidos por meio da Ambipar Lux, os chamados green bonds.
A companhia argumenta, contudo, que o Deutsche Bank teria cobrado garantias adicionais, incluindo eventuais desvalorizações desses green bonds. Os aditivos ao contrato de derivativos, porém, segundo a Ambipar, teriam reduzido a proteção da companhia, resultando em prejuízos superiores a R$ 165 milhões.
Esses contratos com o Deutsche Bank e o nome do executivo apontado pela Ambipar como o então responsável por essas negociações — João Arruda, ex-diretor financeiro do grupo — estão no centro da crise do grupo. Na última semana a Ambipar deu início a uma investigação criminal junto à Polícia Civil de São Paulo para investigar supostas irregularidades praticadas por Arruda.
A Ambipar argumenta que um primeiro contrato de derivativos foi assinado com o Bank of America, instituição onde Arruda atuou por 15 anos. Depois, quando o executivo já trabalhava no grupo de gestão ambiental — a partir de agosto de 2024 e “a peso de ouro”, tendo coordenado a abertura de capital da Ambipar em 2020 e conquistado a confiança do fundador e CEO da companhia, Tercio Borlenghi Junior — o contrato foi migrado para o Deutsche Bank.
Foi acordado com o Deutsche Bank, em agosto, um novo contrato de derivativos e também o do empréstimo. Nenhum desses procedimentos, alega a Ambipar, teria passado pelo crivo do conselho de administração da companhia, sustentam petições elaborados pelos escritórios Salomão Advogados e Galdino Advogados, à frente do caso.
Diversos bancos credores da Ambipar, além do Deutsche Bank, ABC Brasil, Bradesco, Banco do Brasil, Santander, Sumitomo Tsui Brasileiro e Itaú Unibanco recorreram à Justiça pedindo a suspensão da medida que antecipou a proteção da companhia contra execuções.
Os green bonds, que foram emitidos para levantar recursos no exterior, diz a petição, estão sendo negociados com desconto médio de 87%.
Saída do diretor financeiro
A petição traz a afirmação de que a companhia “foi vítima de um ataque orquestrado, capitaneado por short sellers”, em referência a investidores que lucram com a queda de preço de um ativo financeiro.
E que, após cerca de um mês de “ataques especulativos sobre os green bonds”, em 18 de setembro, uma quinta-feira, Arruda convocou uma videoconferência com detentores desses títulos (bondholders) no exterior para a segunda-feira seguinte, quando poderia explicar a queda de preço e o aditivo assinado com o Deutsche Bank.
No dia 19, porém, diz a petição, Arruda renunciou ao cargo, comunicando seu desligamento ao conselho por e-mail e sem aviso prévio. Isso acarretou no cancelamento da reunião com os bondholders, o que teria contribuído para “disseminar pânico no mercado financeiro”.
Na última semana, a defesa de Arruda negou que ele tenha cometido as infrações que vêm sendo listadas pela Ambipar. O advogado David Rechulski afirmou que “as narrativas são falaciosas e não resistirão às evidências”.
Discussão sobre o foro do processo
Também o Ministério Público do Rio de Janeiro entrou com a mesma requisição, acrescentando questionamento ao foro do processo. É que a sede da Ambipar fica em Nova Odessa, em São Paulo. O processo, porém, foi iniciado na capital fluminense, sob o argumento de ser o endereço que responde pela maior fatia do resultado da companhia.
De acordo com o pedido de recuperação judicial, o lucro registrado pela Ambipar nos últimos 12 meses na cidade do Rio é quase oito vezes maior que o registrado na capital paulista. Em faturamento, foram mais de R$ 300 milhões no Rio, contra R$ 70 milhões em São Paulo e a R$ 1,67 milhão em Nova Odessa.
No mercado, um dos principais questionamentos em torno da situação da Ambipar é o fato de que a companhia registrava um caixa no valor de R$ 4,7 bilhões ao fim do segundo trimestre.
A companhia, que reúne mais de 280 empresas, afirma pagar cerca de R$ 500 milhões em tributos ao ano e gerar 23 mil empregos diretos. Fornece soluções ambientais em áreas como projetos de descarbonização, economia circular, transição energética e regeneração ambiental.
Criada há 30 anos, está presente em mais de 40 países. Entre os destaques de sua atuação está o de recuperação de resíduos e respostas a emergências ambientais, atendendo a grandes companhias de óleo e gás, por exemplo.
Fonte: O Globo


