Exclusivo: TCU aponta enorme discrepância em rapasses de royalties citando São João da Barra e São Francisco e envia relatório ao STF para debater redistribuição
O Tribunal de Contas da União deliberou, nas últimas sessões antes do recesso, um relatório de Auditoria sobre os critérios de distribuição de royalties do petróleo e participação especial.
O relatório visa instruir o governo Federal, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, onde tramita uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em que discute a redistribuição dos royalties. Atualmente, uma lei que determina a redistribuição dos royalties está suspensa por liminar. A relatora do caso é a ministra Cármem Lúcia.
O longo relatório do TCU cita diversas discrepâncias nos repasses dos royalties. Nele, cita como exemplo o litoral Norte Fluminense, onde o município de São João da Barra recebe vultosos repasses de royalties, e o município vizinho, São Francisco de Itabapoana, não recebe como produtor.
“…Outro caso ilustrativo da desconexão do atual critério se observa no litoral norte fluminense. O Município de São Francisco de Itabapoana/RJ, vê, por azar, suas linhas geodésicas ortogonais e paralelas atingir precocemente a linha que divide os Estados do Rio de Janeiro com o Espírito Santo, o que interrompe a área de projeção do seu município à plataforma continental e faz com que o referido município, sem nenhum critério técnico que possa justificar, receba recursos em ordem de grandeza bastante inferior a seus vizinhos.
No caso, o retrocitado município faz limite ao norte com o Estado do Espírito Santo (Município de Presidente Kennedy/ES) e a sul com o Município de São João da Barra, ambos grandes recebedores de recurso pelo critério de confrontação, o que cria desigualdades importantes, conforme dados inseridos no mapa disposto na Figura 11.
Aqui se destaca que, ainda que haja qualquer outro fator vinculado à afetação decorrente da indústria petrolífera responsáveis pela distribuição de royalties aos municípios da Figura11, os dados constantes do mapa refletem única e exclusivamente o critério de confrontação, resultado das linhas geodésicas traçadas, e não refletem qualquer outra análise relativa às estruturas constantes em cada um dos municípios ou atividades impactadas.“, diz o trecho do relatório do ministro Jorge Oliveira.
Citando os municípios do litoral Norte Fluminense, demonstrando a enorme discrepância, o relatório encaminhado ao STF pede para debater novos critérios de distribuição dos royalties.
O ministro também cita um suposto tráfico de influência de escritórios de advocacia em ações judiciais. Confira à íntegra ao final.
“….Em suma, a situação relatada demanda uma nova abordagem, de modo a simplificar os critérios de distribuição ou estruturar adequadamente os órgãos reguladores, visando a uma distribuição mais clara, justa e eficiente dos recursos provenientes da exploração de petróleo e gás natural, minimizando disputas judiciais e promovendo a segurança jurídica no setor.
Encaminhamento
Diante desses achados de auditoria, a unidade instrutora propõe recomentar ao Ministério de Minas e Energia que:
“apresente anteprojeto de alteração legislativa à Casa Civil da Presidência da República relacionado à distribuição de royalties e participações especiais do setor petrolífero, com a urgência que o caso requer, suportado tecnicamente pela ANP, IBGE e AGU, observando:
a obsolescência dos atuais critérios, os quais não possuem conexão direta com os impactos da produção petrolífera;
a precariedade da utilização de linhas geodésicas que não contam com qualquer memória dos fundamentos de sua criação, bem como da certeza de que elas seriam substancialmente alteradas caso viessem a ser atualizadas, com impacto incalculável sobre os beneficiários e respectivos recursos;
a ocorrência de tentativas frustradas de alteração legislativas desde a descoberta do pré-sal – mais de dez anos – o que comprova a vontade social de ajustes no regramento, mas que se frustraram pela ausência de estudos técnicos;
a excessiva e desproporcional concentração de recursos em entes subnacionais, criando e/ou ampliando inimagináveis desigualdades regionais;
a atuação atípica e inapropriada de Instituto de Pesquisa (IBGE) como órgão acessório de regulação setorial que impacta direta e significativamente a distribuição de recursos a entes subnacionais;
a existência de múltiplos e complexos critérios aplicáveis à definição dos beneficiários sem gerar proporcional melhora em termos de legitimidade;
a elevada e crescente judicialização com impactos bilionários nos cofres de entes subnacionais, inclusive com o direcionamento de vultosos recursos públicos a entes privados decorrentes de honorários advocatícios e/ou ônus de sucumbência;
a sobrecarga das atividades administrativas do setor público impactado pela elevada e crescente judicialização: ANP, IBGE e AGU, principalmente;
a possibilidade de captura de agentes públicos decorrente do ambiente de insegurança jurídica associado à elevada magnitude dos recursos envolvidos;
ser de interesse nacional e não apenas local a atividade de exploração do petróleo e gás natural;
assegurar a razoável e proporcional compensação financeira ou participação nos resultados – constitucionalmente estabelecida no art. 20, §1º – àqueles efetivamente impactados pelas atividades petrolíferas, sopesando-as com os objetivos republicanos de redução das desigualdades sociais e regionais, tendo em vista o caráter também redistributivo dos referidos recursos; e
considerar o caráter intergeracional a fim de se compensar as gerações futuras pela exploração presente, ante o esgotamento de um recurso não-renovável.”
Em linha com a AudPetróleo, considero imperiosa a evolução do arcabouço normativo a reger a atual distribuição de royalties e participações especiais decorrentes da produção de petróleo e gás natural no país. O cenário delineado na presente auditoria demonstra que tal aprimoramento se faz absolutamente premente. Também manifesto minha integral concordância com a necessidade de mitigação dos riscos sintetizados na proposta de encaminhamento acima transcrita.
Não obstante, tendo em vista que a ADI 4.917/2012 foi encaminhada pela eminente Ministra Cármen Lúcia ao Núcleo de Solução Consensual de Conflitos do Supremo Tribunal Federal (NUSOL/STF), há que se reconhecer a possibilidade de ser adotada uma solução construída mediante amplo e substancioso acordo no âmbito do STF.
Dessa forma, julgo não ser oportuno recomendar a elaboração de anteprojeto de lei, como se essa fosse a única alternativa viável para tratamento da questão. Naturalmente, o Ministério de Minas e Energia poderá, a seu exclusivo juízo de conveniência e oportunidade, adotar tal medida, inclusive para propor outros critérios de distribuição, que considere mais adequados, dadas as mudanças observadas na produção desde a edição da Lei 12.734/2012.
Ademais, ao considerar que a matéria se encontra sob exame do Supremo Tribunal Federal e, ainda, diante do escopo específico de um trabalho de auditoria operacional e sem olvidar os limites constitucionais e legais das competências do TCU, é forçoso apontar falhas, oportunidades de aprimoramento e soluções técnicas possíveis, mas não nos é dado escolher a alternativa jurídica ou regulatória para alcançar as finalidades públicas relacionadas.
Assim, em substituição à proposta da unidade especializada, proponho que cópia da presente deliberação, acompanhada do relatório de peça 109, seja encaminhada:
ao Ministério de Minas e Energia, para avaliação da conveniência e oportunidade de elaborar anteprojeto de alteração legislativa relacionado à distribuição de royalties e participações especiais do setor petrolífero;
às comissões temáticas do Congresso Nacional, relacionadas à matéria, como subsídios técnicos à realização de eventuais futuros debates legislativos relacionados à questão;
ao Gabinete da Ministra Carmen Lúcia do Supremo Tribunal Federal e ao Núcleo de Solução Consensual de Conflitos do Supremo Tribunal Federal (NUSOL/STF) para, a seu critério de conveniência e oportunidade, utilizarem as informações produzidas nesta auditoria operacional como subsídios técnicos à realização das discussões jurídicas no âmbito da ADI 4917/DF e dos demais processos judiciais instaurados para questionar a constitucionalidade da Lei 12.734/2012; e
a outros órgãos e entidades governamentais, além de entidades representativas do setor, para conhecimento.
Ao concluir minha manifestação, aproveito para fazer o justo reconhecimento da qualidade e profundidade com que tema tão complexo foi tratado pela equipe da AudPetróleo. Em nome do Auditor-Chefe Marcelo Rodrigues Alho e do Coordenador de Auditoria Eduardo Juntolli Vilhena, cumprimento todos os auditores envolvidos neste notável trabalho.
Por meio da presente auditoria operacional, mais uma vez, o Tribunal de Contas da União realiza sua missão institucional e contribui para o debate técnico, de alto nível, a respeito de um tema de inquestionável relevância para a sociedade brasileira.
Ante o exposto, VOTO no sentido de que o Tribunal adote a minuta de acórdão que submeto à deliberação deste Colegiado.”
Confira à íntegra do relatório: TCU relatório distribuição dos royalties