Exclusivo: TCU condena ex-gestores da Caixa Econômica por suposta fraude em empréstimos de R$ 1 bilhão ao Porto do Açu. Relatório aponta fracasso do empreendimento

O Tribunal de Contas da União condenou, no último dia 10 de outubro de 2025, ex-gestores da Caixa Econômica Federal por suposta fraude em empréstimos de mais de R$ 1 bilhão ao Porto do Açu, no âmbito de uma Tomada de Contas Especial (TCE). O acórdão foi obtido por exclusividade pelo jornal online Tribuna NF.
A TCE apura prejuízos à Caixa Econômica Federal em financiamento concedido à empresa OSX Construção Naval, para implantação do estaleiro do Açu, através de liberação de recursos de longo prazo, mesmo após notória inviabilidade econômica do projeto, contrariando pareceres técnicos internos do banco.
No longo relatório do Voto do ministro Jhonatan de Jesus, a unidade técnica da Corte de Contas Federal, aponta o fracasso do empreendimento, relatando que litígios judiciais podem, inclusive, extinguir o direito de superfície do Porto do Açu:
“No atual contexto, o fracasso da OSX Porto do Açu em concluir a indústria naval (UCN do Açu) tem gerado litígios judiciais com a atual outorgada titular do porto privativo (Prumo Logística S.A.) e pode gerar a extinção daquele direito de uso de superfície concedido nos primórdios, ocasião na qual estavam envolvidas empresas então pertencentes ao mesmo conglomerado empresarial e sob controle comum.
Ato contínuo, nas Demonstrações Financeiras e Notas Explicativas que as integram, alusivas à OSX Porto do Açu e ao exercício financeiro encerrado em 31/12/2024, ou seja, as mais recentes, está explicitamente indicado receita bruta anual de R$ 71,2 milhões, gerada exclusivamente por locações pontuais na área do Porto do Açu cuja superfície foi cedida para a construção e operação do estaleiro naval, enquanto o prejuízo apurado foi da ordem de R$ 1,5 bilhão (peça 205, p. 59, segmento Construção Naval).
71. Por relevância ao contexto e reportando-nos ao BP levantado com base na composição patrimonial de 31/12/2024, a companhia tomadora do financiamento apresentou passivos totais na ordem de R$ 9,35 bilhões (peça 205, p. 60, segmento Construção Naval, soma dos Passivos Circulante e não Circulante), com Patrimônio Líquido negativo (passivo a descoberto) no importe de R$ 7,93 bilhões. Revela-se, pois, um cenário de agravamento contínuo da situação financeira e patrimonial que já era, há quase uma década, de insolvência e de presumida irreversibilidade.
72. Todos os fatos e eventos acima corroboram as assertivas da CEF de que, em tese, a companhia financiada para construção do Estaleiro do Açu ancora-se no instituto da recuperação judicial para procrastinar o reconhecimento de seu estado de efetiva falência, evidenciada pelas suas condições financeiras, patrimoniais e operacionais desoladoras.”, revela o relatório da unidade de finanças do TCU.
Apesar do relatório apontar graves prejuízos à Caixa Econômica, o acórdão do ministro exclui a OSX Porto do Açu e Eike Batista da relação processual por não ter sido demonstrada sua participação nas irregularidades relacionadas à liberação dos recursos.
O Ministério Público junto ao TCU (MPTCU) manifesta concordância parcial com a proposta da unidade técnica. Embora concorde com o julgamento pela irregularidade das contas dos gestores e com a exclusão dos demais responsáveis da relação processual, entende incabíveis condenações em débito neste momento, tendo em vista a adesão voluntária da Caixa ao Plano de Recuperação Judicial da OSX. Desse modo, propõe o julgamento pela irregularidade das contas dos gestores do banco público, com aplicação da multa prevista no art. 58 da Lei 8.443/1992, além da sanção de inabilitação.
Em seu voto, o ministro Jhonatan de Jesus, seguiu o entendimento do corpo técnico do tribunal, apontando que a conduta do ex-gestores da Caixa elevou o risco de prejuízos à Caixa Econômica, não se tratando de mero vício formal:
“Ao descumprirem essa obrigação, os gestores não incorreram em mero vício formal. Sua conduta elevou substancialmente a exposição da Caixa aos riscos do empreendimento. Em vez de substituírem o risco do empréstimo-ponte (R$ 400 milhões) pelo do financiamento de longo prazo, mantiveram o primeiro e acresceram o segundo, ampliando para mais de R$ 1 bilhão o montante sujeito à inadimplência de projeto sabidamente inviável.
A irregularidade tornou-se ainda mais evidente e reprovável no segundo desbloqueio, de 8/2/2013. Conforme o Parecer GECOA 006/2013, buscaram justificar o descumprimento da cláusula mediante interpretação frontalmente contrária à literalidade do contrato, sustentando que o crédito anterior não caracterizaria tecnicamente empréstimo-ponte por ter sido formalizado em outra modalidade. Tal percepção foi acolhida no despacho autorizador, o que demonstra a decisão consciente de afastar o comando contratual (peça 44).
O entendimento, contudo, não se sustenta diante da documentação interna da própria Caixa, como a Resolução do Conselho Diretor 5813/2012, atinente expressamente a “contrato de financiamento bridge loan (empréstimo-ponte) “, e outras comunicações que vinculavam o empréstimo-ponte ao financiamento de longo prazo (peça 212, p. 24-25)”, diz trecho do Voto.
O ministro conclui seu voto aplicando multa e impedimentos aos ex-gestores da Caixa Econômica Federal:
“Diante da análise empreendida, pois, concluo que as contas de Rogério de Paula Tavares, Adailton Ferreira Trindade, Lourival Martins de Lima, Jurany do Carmo Silva e José Gomes de Araújo Neto devem ser julgadas irregulares por haver se configurado grave infração a normas legais e regulamentares, conforme o art. 16, inciso III, alínea “b”, da Lei 8.443/1992, com aplicação da multa prevista no art. 58, inciso II, do mesmo diploma legal.
Para a dosimetria da sanção, verifico que os responsáveis se afastaram, de forma significativa, do padrão de conduta exigido, descumprindo, sobremaneira, o dever de cautela inerente e exigido ao gestor público. Agiram com elevado grau de negligência e imprudência, incorrendo, portanto, em culpa grave. Além da gravidade intrínseca dos ilícitos, identifico as seguintes circunstâncias agravantes, que justificam a aplicação da multa em seu grau máximo:
2.9. elevada materialidade dos valores envolvidos na operação;
2.10. desatendimento a alertas técnicos expressos e categóricos, que classificaram as pendências como impeditivas;
2.11. contradição direta entre os pareceres que subscreveram e as ações que praticaram, evidenciando ciência inequívoca dos riscos; e
2.12. adoção de interpretações contrárias à literalidade contratual, com o objetivo de afastar regras de mitigação de risco.
Diante desses elementos, aplico a cada um dos responsáveis multa no valor correspondente a 100% do limite máximo fixado pela Portaria-TCU 14/2025, conforme dispõe o § 2º do art. 58 da Lei 8.443/1992, totalizando R$ 86.646,75 para cada um: o cálculo considera a gravidade inicial das infrações e as circunstâncias agravantes acima descritas.
A elevada gravidade dos atos também enseja a aplicação da sanção de inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança na Administração Pública federal pelo período máximo de oito anos, nos termos do art. 60 do mesmo diploma legal.”, decidiu.
Confira o acórdão: Acórdão 2313 de 2025 Plenário
*Tribuna NF abre espaço para os citados se manifestarem