Ministério da Justiça apura uso de milhões de CPFs em sistema de inteligência por governo do RJ

Por Mateus Vargas e Raquel Lopes
(Folhapress) – Após detectar suspeitas de consultas automatizadas com geradores de CPFs, o governo Lula (PT) decidiu suspender o funcionamento do Córtex, a plataforma de vigilância que cruza dados de pessoas, empresas e veículos, além de fazer um pente-fino nos órgãos que utilizam o sistema.
Como a Folha de S.Paulo revelou, o Ministério da Justiça e a Polícia Federal investigam de que forma e com qual finalidade foram utilizados cerca de 70 milhões de CPFs em consultas na plataforma por meio das credenciais de acesso da gestão Cláudio Castro (PL-RJ). O número de documentos, registrados como autores das buscas, representa cerca de um terço da população brasileira.
Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que a suspensão não está vinculada a “casos específicos”. A plataforma ficará bloqueada de 14 a 28 de janeiro de 2026, segundo ofício enviado pelo ministério a secretarias de segurança e outros órgãos que usam o Córtex.
O governo ainda irá recadastrar os órgãos que utilizam a plataforma, em processo que foi chamado de “prova de vida institucional” pela pasta comandada por Ricardo Lewandowski. Segundo o mesmo ofício, apenas os perfis de acesso dos órgãos recadastrados permanecerão ativos quando o Córtex for desbloqueado.
Assinado pelo secretário Nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, o documento não menciona o caso do Rio, mas afirma que a medida “decorre de razões técnicas e operacionais”.
A suspensão da plataforma ainda teria o propósito de viabilizar auditorias periódicas, revisões de conformidade e manutenções preventivas na plataforma, diz a pasta.
O ofício afirma que, mesmo após a reinicialização do sistema, serão guardados “todos os registros estruturados, logs e históricos”.
“Tal intervenção visa fortalecer os níveis de segurança da informação, garantir rastreabilidade e aprimorar os mecanismos de governança, observadas as obrigações previstas nos Acordos de Cooperação Técnica e respectivos Planos de Trabalho firmados com órgãos convenentes”, afirma o ofício circular do Ministério da Justiça.
Em nota, o ministério afirma que deseja atualizar perfis, credenciais, pontos focais e termos de sigilo da plataforma. “Eventuais indícios de uso em desconformidade com as normas estabelecidas são encaminhados à autoridade policial competente, responsável pela apuração de autoria e materialidade.
Como medidas administrativas preventivas, o Ministério adota, quando necessário, o bloqueio cautelar de acessos e procedimentos internos destinados à apuração de responsabilidades individuais.”
O uso indevido do sistema de inteligência foi detectado por auditoria do Ministério da Justiça. Os CPFs foram registrados como autores de 213 milhões de buscas com uma das chaves de acesso à plataforma ligadas ao governo do Rio.
Em avaliação preliminar, o ministério apontou “fortes indícios” de automação das pesquisas, além da geração de CPFs para driblar mecanismos de bloqueio da plataforma. A auditoria analisou 236 dias de buscas feitas a partir de setembro de 2024.
Inquérito da Polícia Federal
Em outra frente, a Polícia Federal abriu inquérito para apurar se foram cometidos crimes de inserção de dados falsos em sistema de informação, violação do sigilo funcional e invasão de dispositivo informático.
As duas apurações miram ainda consultas envolvendo PEPs (Pessoas Expostas Politicamente).
O Córtex teve o uso regulamentado em 2021, no governo Jair Bolsonaro (PL). A plataforma só pode ser usada por integrantes de órgãos que firmam convênio com o governo federal para obter informações em tempo real, coletadas por câmeras e outras bases de dados, principalmente sobre pessoas e placas de veículos.
Existem diferentes níveis de acesso ao Córtex. É comum que agentes de segurança usem o sistema em operações de rotina, como para consultar se determinada placa é de um carro roubado ou se há algum mandado de prisão contra uma pessoa.
Os órgãos públicos também podem puxar as informações que são reunidas pelo ministério para montar um sistema próprio de vigilância. Um dos serviços que o Córtex oferece é o de cercamento eletrônico, que permite buscar dados de “alvos móveis”, além de gerar alertas de “alvos com indicativos de criminalidade”.
A plataforma exige uma chave de acesso e depois o CPF da pessoa que fez a busca para que fique o registro. O Governo do Rio possui duas chaves: uma da PM e outra da Secretaria de Governo — inicialmente PF e ministério consideraram que ambas eram da PM, mas a própria polícia fluminense e o Palácio Guanabara já informaram que a chave sob maior suspeita é da Segov.
Em nota, a Secretaria de Governo do Rio disse que começou a levantar informações para responder aos órgãos federais, além de ter pedido a abertura de inquérito da Polícia Civil.
Já a PM do Rio afirma que “não houve qualquer uso anormal” do Córtex na sua conta, que apenas “policiais militares em atividade-fim” podem utilizar o sistema e que está em diálogo com o governo federal para reativar o acesso.



