Assessora da CPT faz raio-X da gestão de Rafael Diniz e aponta saídas para fora do beco - Tribuna NF

Assessora da CPT faz raio-X da gestão de Rafael Diniz e aponta saídas para fora do beco

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Por Marcos Pedlowski

Com uma licenciatura em Ciências Biológicas, especializada em Agroecologia e Desenvolvimento de Assentamentos e ainda um mestrado em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Viviane Ramiro da Silva combina sua atuação como professora da rede estadual de ensino com o papel de assessora da Comissão Pastoral da Terra (CPT) onde cumpre um papel estratégico na definição de ações voltadas para beneficiar famílias que foram assentadas por meio do programa federal de reforma agrária em diferentes municípios da região Norte Fluminense.

Sendo ela mesma uma moradora do maior assentamento criado pela Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no município de Campos dos Goytacazes, Viviane Ramiro da Silva oferece na entrevista abaixo uma série de elementos para que se possa refletir os impactos trazidos pela gestão do jovem prefeito Rafael Diniz (PPS) nas áreas rurais do município, principalmente no tocante à educação no campo, mas não se resumindo a este componente da atuaçaõ da CPT.

Como outros dos entrevistados da série “Campos dos Goytacazes: entre becos e saídas“, Viviane Ramiro da Silva nos oferece não apenas uma crítica qualificada sobre o que está ocorrendo neste momento, mas também oferece reflexões importantes sobre as saídas possíveis para a conjuntura em que estamos colocados neste momento.

BLOG DO PEDLOWSKI (BP): A senhora vem há algum tempo participando do esforço de consolidar o trabalho da Comissão Pastoral da Terra no município de Campos dos Goytacazes e em outros municípios da região Norte Fluminense. Poderia explicar o que é a CPT e quais são suas principais ações, bem como o público preferencial das mesmas.

VIVIANE RAMIRO DA SILVA (VRS): A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é uma entidade ecumênica ligada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que foi criada durante um encontro pastoral em meados de 1975. Desde a sua origem a CPT busca dar uma resposta à grave situação de violência contra trabalhadores do campo, inicialmente na Amazônia. Assim, o surgimento da CPT está relacionado aos conflitos fundiários, que se expressam de formas distintas a partir de contextos variados em todas as regiões do país.

 Em sua trajetória pode-se destacar a importância do seu papel no registro e divulgação das diversas formas de violência a que estão expostos os/as camponeses/as no Brasil. E que se desdobrou no trabalho de sistematização com a publicação e divulgação anual do Caderno de Conflitos no Campo[1].

Deste modo, a CPT busca contribuir com o fortalecimento e organização das lutas dos trabalhadores no sentido de construção de um projeto de sociedade mais fraterno, justo, sustentável e popular para o campo brasileiro. No estado do Rio de Janeiro, a CPT está atualmente organizada através de duas equipes de base, sendo uma na região da baixada fluminense; e a outra no norte fluminense, com o objetivo de prestar um serviço pastoral, formativo e de acompanhamento a comunidades e movimentos sociais do campo.

(BP): Uma das questões que atraem muita preocupação nas áreas rurais em todo o Brasil é a falta de escolas e a inexistência de um modelo pedagógico que contemple as experiências e necessidades particulares de quem vive no campo. Nesse sentido, como a senhora avalia a situação das escolas rurais e da educação no campo no município de Campos dos Goytacazes?

(VRS): Defendemos a educação do campo ou diferenciada como paradigma, não somente como matriz pedagógica, mas também como a valorização do campesinato como sujeito político e o campo como modo de vida e cultura. De acordo com dados do IBGE (2010), há aproximadamente 24.162 analfabetos acima de 15 anos no município, que o coloca na posição 34º no ranking nacional dos municípios, e 5º no Estado do RJ, com uma população analfabeta na zona rural 3 vezes maior que a urbana. Nos últimos 10 anos, foram mais de 25 escolas rurais fechadas com o discurso de agrupamento e redução de custos (CENSO ESCOLAR, 2018). Muitas vezes, sem a devida consulta às comunidades rurais e suas organizações de representação, conforme prevê a lei federal de nº 12.960 de 2014, o fechamento é realizado, portanto de forma arbitrária.

Temos observado, especialmente este ano, uma maior preocupação de pais e alunos relacionada às condições de precariedade no funcionamento das escolas nas áreas rurais. Entre os principais problemas expressados estão: a falta ou inadequação da alimentação escolar, a falta de professores em algumas disciplinas, a irregularidade/e/ou falta de transporte escolar. Na contramão desse processo discriminatório e reprodutor de desigualdades, várias lideranças e educadores do campo e suas organizações se articulam por meio de Coletivos e Fóruns em defesa de uma Política de Educação Básica do Campo. Nesses espaços, esses sujeitos formulam demandas, ainda sem respostas concretas, por parte do poder público municipal, entre as quais estão questões como: o problema da rotatividade de professores e/ou falta de professores nas escolas do campo o que tem dificultado o direito a aprendizagem dos sujeitos educativos; precariedade no funcionamento do transporte escolar nas áreas rurais; o não cumprimento da meta de compra de no mínimo 30% da alimentação escolar da agricultura família, conforme preconiza o PNAE (LEI nº 11.947/2009).

Após muitos anos de luta dos movimentos sociais essas demandas foram reconhecidas recentemente, pela Administração Municipal, pela instituição do Plano Municipal de Educação (LEI nº. 8.653/2015), que define as seguintes metas e objetivos: a criação de um Grupo de Trabalho Permanente Misto (composto por representantes da sociedade civil organizada e poder público), realização de concurso público para educadores do campo, adequação das escolas existentes ou construção de escolas em áreas de assentamento e comunidades quilombolas, após 3 anos de aprovação da PME. Em nossa avaliação, a maior parte desses objetivos ainda está longe de ser alcançada.

É preciso ter claro que o não oferecimento do ensino obrigatório por parte do poder público ou sua oferta irregular constitui, não só o desrespeito ao direito constitucional como implica responsabilidade das autoridades competentes. Pois, viola o estabelecido na Constituição Federal de 1988, artigo 206 que assegura a todos o direito à educação; Além disso, o reconhecimento da diversidade cultural dos sujeitos do campo exige a implementação de projetos educacionais que respeitem essas realidades, conforme preconiza o artigo 28 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 9.394/96); a Resolução CNE/CEB nº 02/2008, que define as Diretrizes Operacionais da Educação Básica para as Escolas do Campo, e define as responsabilidades dos entes federados no que se refere à universalização, a permanência e o sucesso escolar com qualidade em todos os níveis da Educação Básica, assim como determina o deslocamento intracampo, no sentido de garantir o direito da criança e do adolescente de áreas rurais estudarem próximas as suas residências; e o Decreto 7. 352/2010, que institui a Política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), destinadas a ampliação da oferta e qualificação da educação, em todos os níveis de ensino, para as populações do campo.


(BP): Após 1,5 ano de existência, como a senhora avalia o desempenho do governo comandado pelo prefeito Rafael Diniz em termos da entrega da sua principal promessa de campanha que era melhorar a eficiência da máquina pública do município de Campos dos Goytacazes?

(VRS): A questão é saber eficiência e eficácia para que? Para avaliar o desempenho de um governo é preciso ter por base quais são as metas, os indicadores e os prazos (a curto, médio e longo) estabelecidos por áreas/setores pela administração pública. No que diz respeito ao campo, entre as promessas do governo Rafael Diniz estão o investimento em infraestrutura para o fortalecimento do setor agropecuário, desenvolvimento de apoio técnico à produção agrícola e criação de agroindústrias. Em linhas gerais, a proposta do governo atual objetiva o fortalecimento da agricultura familiar através do estímulo à produção de alimentos orgânicos e agroecológicos.

Após a posse do novo governo, observamos certa euforia com a realização de reuniões e encontros entre os agentes da Administração Municipal e alguns grupos e organizações camponesas. Através dessa agenda o governo buscou identificar demandas e definir ações, que orientariam o seu planejamento. Mas, logo percebemos algumas dificuldades de diálogo, uma vez que se por um lado, as organizações de trabalhadoras(es) apontavam demandas estruturais para a solução de antigos problemas; por outro os agentes do governo apresentaram “soluções”, como a “cursos de capacitações” que apesar de importante não resolvem, as demandas colocadas. Entre estes grupos está o Coletivo de Mulheres Regina Pinho, do Assentamento Zumbi dos Palmares, que reivindicaram: “construção e articulação de políticas públicas voltadas para as mulheres rurais no município de Campos dos Goytacazes, que exige diálogos e ações intersetoriais no sentido de responder as reivindicações da(os) assentadas(os), especialmente” no âmbito do acesso aos recursos hídricos e energéticos: Instalação de rede de distribuição de água potável nos assentamentos de reforma agrária; Estabelecer parceria com instituições de pesquisa para elaborar diagnósticos e estudos sobre tecnologias para melhorar a qualidade da água nos assentamentos, pois em grande parte dos assentamentos a água é salitrada ou de má qualidade o que inviabiliza o consumo humano e/ou o uso na produção agrícola; Acionar o Comitê de Bacias para criar um plano de gestão participativo de manutenção das comportas e canais que alimentam as Lagoas no município; Implantar nos assentamentos tecnologias de geração de energia alternativas: solar, eólica, biodigestor, cisternas para captação de água da chuva, com apoio técnico de instituições de pesquisa públicas, como a UENF. No fomento a inserção produtiva e escoamento da produção agrícola dos assentamentos: Criar linha de crédito e fomento agroeocológico, considerando critérios de gênero e geração e raça; Estabelecer parceria com a UENF, IFF, e Emater para o desenvolvimento de projetos de extensão e assistência técnica visando o desenvolvimento sustentável dos assentamentos, em especial as experiências das mulheres e dos jovens; Ampliar a compra da Merenda Escolar pelos agricultores familiares de Campos, prioritariamente de produtos agroecológicos; Manutenção das estradas vicinais nos assentamentos; Melhorar o serviço do transporte público, em termos de regularidade dos horários e abertura de linha nos assentamentos não atendidos. Ena promoção Social das mulheres assentadas: Implantar a Política de Saúde dos Povos do Campo nos assentamentos de Reforma Agrária, com vistas a fortalecer as estratégias do PSF, e reduzir os danos causados pelo uso de agrotóxicos na saúde humana e no meio ambiente fortalecendo assim a segurança e soberania alimentar; Fortalecer a Política de Educação do Campo no município, ampliando a oferta do 2ª segmento nas escolas rurais; Criar programas de qualificação profissional para o trabalho e geração de renda das mulheres rurais a partir da implantação de Bancos de Sementes Crioulas Tradicionais, agroindústrias de processamento de alimentos, etc (COLETIVO REGINA PINHO, 2017).

Essas demandas foram apresentadas a Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social, com a sugestão de que esta promovesse um encontro com as demais secretarias competentes, com o intuito de definir soluções concretas para as mesmas. Mas, o interesse do governo em dialogar com as mulheres assentadas parece ter findado! Pois, após mais de um ano esse grupo não obteve nenhuma retorno desse órgão! Nosso entendimento é que o discurso de eficiência e eficácia da máquina pública deve refletir na qualidade dos bens e serviços públicos ofertados para as populações mais carentes, assim como em respostas concretas as necessidades das(os) trabalhadoras(es).

(BP): Ao longo desse período inicial do governo Rafael Diniz, temos ouvido e lido diversas declarações do prefeito e de alguns de seus principais secretários sugerindo que o município de Campos dos Goytacazes vive a maior crise econômica de sua história, e que eles têm nas mãos uma espécie de “herança maldita” deixada pela administração da prefeita Rosinha Garotinho. Em sua opinião, a tese da herança maldita explica o descompasso que estamos presenciando entre as promessas de campanha e as práticas de governo? Por favor elabore.

(VRS): A tese da “herança maldita” na concepção utilizada pelo governo não se sustenta, pois não sinais de rompimento do mesmo com a lógica de clientelismo, dependência e favores familiares e de chegados. Assim, o governo continua mantendo o mesmo formato administrativo com contratos altíssimos e super faturados, que representa a manutenção do pensamento e de práticas oligárquicas e retrógradas de grupos políticos tradicionais de Campos.

Para nós, herança maldita é a falta de um projeto politico de desenvolvimento a partir das necessidades reais da classe trabalhadora. Um exemplo que ilustra está assertiva é a forma como está estruturada historicamente órgãos como a Superintendência de Agricultura e Pecuária e Secretaria de Meio Ambiente, áreas fundamentais para ao fortalecimento da agricultura familiar. Por que a Administração Municipal não realiza concurso público para formação de quadro técnico na área agrária, apesar de a região possuir instituições de ensino e pesquisa que ofertam diversos cursos na área agrária e formam profissionais há algumas décadas? Essa estrutura, além de resultar na descontinuidade das ações desenvolvidas, conforme mudança do governo, os profissionais, que atuam por meio desses órgãos, ficam expostos a vínculos precários e submetidos a interesses de grupos hegemônicos que orientam as ações governamentais na região.

Essa lógica administrativa foi expressa pelo secretário municipal de Agricultura, Nildo Cardoso, em um evento na Escola Agrícola Antonio Sarlo, no ano passado. De acordo com esse secretário, o agronegócio receberia investimentos para a introdução do monocultivo do eucalipto e da soja na região. Essas são culturas, que, como a cana-de-açúcar e o abacaxi, têm resultado na destruição de biodiversidade, na expulsão de camponeses e na superexploração e precarização das condições de trabalho das populações mais pobres. Os movimentos campesinos e outras organizações vêm demonstrando que o agronegócio não produz alimentos saudáveis, uma vez que além de gerar insegurança alimentar resulta na reprodução das desigualdades no campo.

A “mudança”, proposta pelo atual governo conduziria a implantação de um “modelo econômico sustentável e endógeno”, se daria via reestruturação da gestão administrativa fundada em terminologias neoliberais como “eficiência” e “eficácia” com o intuito de racionalizar a distribuição de recursos para programas e serviços ofertados no município. Esse modelo de gestão estaria baseado no princípio a participação social, mola mestre das ações do governo. Para tanto, este propõe o fortalecimento dos conselhos municipais, a realização de audiências públicas, que resultaria na consolidação de uma gestão pública transparente e democrática. Não se pode negar, considerando o governo anterior, certa abertura do governo no sentido de estabelecer diálogos (nem sempre horizontais) com representantes de movimentos e organizações campesinas. No entanto, essa abertura, com muita boa vontade por parte dos servidores envolvidos, não tem passado de conversa, no entanto, é preciso ir além!

Por isso, nossa questão é herança maldita para quem? Uma vez que os grupos hegemônicos sempre foram privilegiados. Não sofrem, cotidianamente, com a herança da escravidão, do machismo, da subalternidade, do racismo, da homofobia, da misoginia[2], da pobreza extrema, mazelas que forjaram nosso padrão de civilidade. Acreditamos que a via para a superação dessa herança, enquanto expressão de uma cultura da violência forjada pelo Estado, só pode ocorrer com o protagonismo dos sujeitos excluídos historicamente dos processos de decisão sobre a Cidade que queremos construir?

(BP): Como a senhora vê o processo de descontinuação das políticas sociais herdadas de administrações anteriores, e mais especificamente aquelas voltadas para fomentar a geração de renda e empregos? Até que ponto a interrupção dessas políticas serviu para melhorar a eficiência do uso de recursos públicos em Campos dos Goytacazes

(VRS): Historicamente, os recursos públicos são direcionados para elite agrária e industriais em nosso país. A exemplo das medidas operacionalizadas pelo Instituto de Açúcar e Álcool (IAA), criado em junho de 1933 por meio do Decreto nº 22.789, com o objetivo de orientar, fomentar e controlar a produção de açúcar e álcool e de suas matérias-primas em todo o território nacional. E contou com grande quantidade de recursos públicos visando estimular a modernização dos antigos engenhos em agroindústrias açucareira. Porém, em termos sociais, como bem ilustra a pesquisadora Delma Pessanha, esse processo modernizador resultou na expansão do modo de produção capitalista no campo, momento em que os trabalhadores rurais foram submetidos a processos de exploração e de subordinação técnica e financeira. O professor José Luís Vianna da Cruz acrescenta que é a partir deste contexto surge a figura do “boia-fria” – trabalhador assalariado desprovido de direitos trabalhistas, expulso do campo, morador da periferia urbana em regime de trabalho intermitente, excluído do vínculo empregatício e dos direitos sociais trabalhistas.

Com a crise do complexo açucareiro, a partir do final da década de 1980, ocorre a perda de inúmeros postos de trabalho neste setor. E, nem mesmo o crescimento das rendas advindas do petróleo nesse período resultou em diminuição das desigualdades na cidade, o que a coloca “entre uma das áreas mais problemáticas do país, em termos de pobreza, indigência e exclusão social”, de acordo com o estudo realizado pelo professor José Luis Vianna.

No processo de redemocratização, várias demandas da população ganham corpo por meio de diversas políticas sociais, em áreas como assistência a saúde (universalização do acesso) e previdência social. Tais políticas têm como principal características a redistribuição de renda, assim como a oferta de bens e serviços públicos para a população excluída historicamente de direitos básicos fundamentais.

Essas políticas são inerentes para alterar o quadro de extrema desigualdade expressos nos índices de desenvolvimento humano e social. Conforme o Mapa da Desigualdade publicado em 2013 entre o ano de 2000 e o ano de 2010, os indicadores que medem a taxa de crescimento dos municípios, tais como acesso a educação e nível de escolaridade, renda, desemprego, longevidade, entre outros, indicam melhoras nesse quadro. Acreditamos que essa mudança, ainda que pequena, dado a receita da Administração Municipal proveniente em grande parte das transferências de royalties e participações especiais, se deve aos investimentos em políticas sociais desse período.

Neste sentido, a opção elitista do atual governo, em interromper programas sociais, com a justificativa de melhor a eficiência pública é no mínimo inconsequente diante da forjada crise econômica, que reduziu investimento e gerou altos níveis de desemprego na região, contribuirá ainda mais para manutenção das hierarquias sociais. As consequências de tais medidas já são percebidas intensamente pela população campista com a precarização dos serviços básicos, principalmente de saúde e transporte. Em nosso entendimento a interrupção de programas sociais, numa sociedade extremamente desigual, não melhora a eficiência dos recursos públicos. Pois, essa situação gera ainda mais injustiças, violências e contribui com a manutenção de relações de poder baseadas em opressões diversas.

(BP): Um dos grandes desafios que o município de Campos dos Goytacazes vem enfrentando desde a promulgação da chamada Lei do Petróleo é usar de forma efetiva os recursos bilionários aportados no tesouro municipal via o pagamento de royalties e participações especiais.  No tocante à atual administração, a senhora tem visto alguma mudança qualitativa no uso destes recursos em relação a outras administrações, especialmente no que se refere ao apoio ao fortalecimento da educação no campo, da agricultura familiar e da produção agrícola nos assentamentos de reforma agrária?

(VRS): Não. Essa lei significou a quebra do monopólio de exploração pela Petrobras, a criação da Agência Nacional do Petróleo (ANP[3]) visou regular as concessões e contratos de outras empresas petrolíferas, resultando num crescimento das receitas provenientes de royalties e participações especiais pagas por essas empresas. Em 1997 essa receita era, em nível nacional, de aproximadamente R$ 81 milhões, enquanto em 2000 já atingia a cifra de R$ 6,4 bilhões. Esse aumento coloca cidades como Campos em uma situação aparentemente favorável, pelo aumento rápido da capacidade de investir. Entretanto, na realidade, as receitas dos royalties impõe um desafio administrativo que Campos ainda não superou. Em lugar de diversificar as fontes de recursos municipais através da aplicação dos recursos de royalties em atividades com retornos sociais, as administrações anteriores e a atual ainda se encontram muito confortadas nas receitas (ainda) significativas dos royalties.

Como demonstra o posicionamento favorável do prefeito Rafael Diniz à expansão do Repetro, em março deste ano numa audiência em Rio das Ostras, um regime aduaneiro que suspende a cobrança de tributos sobre a importação de equipamentos para o setor de petróleo e gás. Com isso, além de aprofundar a já existente dependência das atividades desse setor, a administração municipal se vê obrigada a defender a isenção de impostos importantes para atrair empresas do setor.

Contraditoriamente, o governo construiu o slogan, “Campos para além dos royalties”, que gira em torno de outro caminho, para a diversificação da economia local, por sua vocação original, ou seja, a agricultura. O mesmo que associou o discurso de modernidade a ideia de ordem e progresso mantendo as mesmas estruturas patronais e coronelistas, um modelo que reflete os piores indicadores humanos e sociais, vide o aumento da violência cuja maioria das vítimas é formada por jovens negros e pobres. No campo, esse sistema de exploração, ganha uma nova roupagem o “agronegócio”. Ao tentar impor uma falsa ideia de produtividade, seus agentes destacam seu papel no aumento da produção e da riqueza. Em âmbito municipal, também observamos, a reprodução desse discurso que visa construir uma imagem da agricultura capitalista como algo bom e importante para o município. Mas, a cultura do monocultivo seja da cana, do eucalipto ou da soja não muda a estrutura fundiária e as condições de vida das populações do campo.

Neste sentido, é necessário refletir: de que desenvolvimento se está falando? Qual agricultura? Que matriz tecnológica? Considerando essas questões, representantes do Coletivo de Educação do Campo reivindicaram ao presidente da Câmara de Vereadores a realização de uma audiência pública no sentido de se avançar nesse debate e na proposição de ações concretas para a consolidação da Política de Educação do Campo e de fortalecimento da Agricultura Familiar no município. Esse evento foi realizado, em julho do ano passado, e contou com a participação de representantes de várias comunidades rurais e órgãos de assistência técnica, como a Emater, assim como do poder legislativo e executivo. Entre eles, o vereador Enock Amaral que ao realçar a importância desse debate expressou o desejo de que as ideias discutidas na audiência fossem colocadas em prática. Dentre as propostas defendidas pelo Coletivo está a criação de um Fundo de Desenvolvimento da Agricultura Familiar – FUNDEAF. Pois, se é possível financiar a lavoura de cana (Lei nº. 7.829/2006), o microcrédito para pequenos e médios empreendimentos da economia solidária (Lei nº. 8.142/2009), por que não criar mecanismos de fomento para a agricultura familiar? Portanto, não conseguimos vislumbrar nenhum sinal que aponte para a consolidação de ações visando a concretização das promessas de campanha em relação às populações do campo, por parte da Administração Municipal.

(BP): Tenho notado um grande desapontamento em muitos cidadãos que optaram por votar no prefeito Rafael Diniz e na sua promessa de mudança. Em sua opinião, existe mesmo esse desapontamento? E se sim, este desapontamento é justo ou vivemos uma situação de cobrança exagerada sobre um governo que nem chegou na metade da sua duração?

(VRS): Sim! Embora tenhamos clareza que algumas ações exigem tempo, uma vez que as reivindicações dos grupos e comunidades que acompanhamos serem, em parte, demandas estruturais (como o acesso aos meios de produção). O povo tem pressa! Porquanto, sente na pele e na alma com as altas taxas de homicídios; com o alto índice de mortalidade por doenças, que já deveriam ter sido erradicadas e/ou controladas, como epidemias de dengue, tuberculose, complicações devidas a doenças como diabetes e hipertensão; com o desemprego, etc. E esse desapontamento está diretamente relacionado à falta de respostas concretas por parte do governo no sentido de desenvolver, ao menos, as promessas de campanha que ainda não saíram do papel. Se o atual governo pretende realmente efetivá-las precisa urgentemente deixar claro como, quando e com que recursos tais medidas serão desenvolvidas.

Além disso, falta entendimento de alguns agentes do governo sobre o papel dos movimentos sociais. Primeiro no sentido de saber ouvir, inclusive críticas claro construtivas, é preciso superar o personalismo, pois essas não são direcionadas as pessoas, nem mesmo visam por em dúvidas a capacidade técnica que sabemos, e acreditamos ser essa também opinião dos movimentos sociais com o qual dialogamos. Trata-se, antes de tudo de posicionamento político, que exigem de ambas as parte compromisso com o que é consensuado, ou seja, coerência ente o que se diz e o que faz.

Escutamos muitas vezes, desabafos de que estaríamos “contra o governo”, mas a nosso ver, essa interpretação não tem fundamento, pois não é uma questão de estar a favor ou contra ou governo, e sim de defender um projeto político de desenvolvimento que atenda as necessidades das populações historicamente excluídas da produção da riqueza produzida por elas inclusive. Em segundo lugar, toda ação desenvolvida por qualquer que seja órgão, através de seus programas necessita de avaliação. Tal ferramenta é fundamental para visibilizar os entraves e desafios a serem superados. Sem uma avaliação efetiva e fundamentada, as instituições públicas agem a esmo, o que impossibilita o efetivo controle das mesmas pela sociedade civil organizada. Todavia, para que todos os envolvidos no processo de avaliação tenham as mesmas condições de opinar, propor, discordar é preciso ter claro onde estamos? Que projeto de sociedade queremos construir, Quais ferramentas possuímos? Com quais recursos Se não as partes envolvidas não tiverem essa clareza qualquer tipo de participação é esvaziado de sentido.

(BP): Em sua opinião, quais têm sido até aqui os principais defeitos e qualidades do governo Rafael Diniz?

(VRS): Avaliamos que o principal fragilidade desse governo refere-se à reprodução de uma lógica de gestão administrativa que ainda não rompeu com as relações de dominação presente na sociedade campista. Urge a necessidade de consolidação de projeto de desenvolvimento solidário, democrático, justo e sustentável. Neste caminho, esperamos que o governo cumpra com suas promessas de campanha e adote medidas efetivas que apontem para diversificação das economias local a partir do fortalecimento do Estado democrático de direitos.

Em termos de qualidade, realçamos as tentativas de aproximação do governo com instituições de pesquisa, que precisa se engajar mais na produção de conhecimentos e tecnologias que propiciem mais autonomia e qualidade vida para a classe trabalhadora no campo e na cidade. A consolidação desse movimento pode resultar, a médio e longo prazo num amadurecimento sobre os mecanismos e caminhos necessários para a democratização da admistração pública municipal.

(BP): O nosso município vive um momento muito delicado da sua história com altos níveis de desemprego e violência. Em sua opinião, quais passos deveriam ser adotados pelo prefeito Rafael Diniz para que possamos iniciar o processo de superação desse momento?

(VRS): É essencial a retomada dos programas sociais, especialmente para os que mais precisam. Muito desses benefícios eram acessados por famílias de áreas rurais, principalmente de áreas de assentamento e comunidades quilombolas, que estão entre os grupos mais atingidos pela pobreza, dado a falta de investimentos públicos nessas áreas, como as dificuldades no escoamento da produção agrícola e as fragilidades dos mecanismos de gestão dos recursos hídricos, que aliados às condições climáticas da região, com longos períodos de estiagem intensificam ainda mais os problemas vivenciados por esses sujeitos.

Outro avanço importante pode se dar através da realização de audiências públicas para a definição de prioridades nos usos dos recursos pela Administração Municipal. Asssociado ao estabelecimento de prazos para o alcance das metas e objetivos definidos no plano de governo. Muitos municípios conseguem avançar na qualidadeda gestão pública, com a criação de ferramentas como ouvidorias, conselhos distritais e/ou locais que gera uma cultura participativa na condução dos serviços prestados a população, principalmente os de saúde, educação e transporte. Considerando a extensão do município e as dificuldades de mobilidade devido a precariedade dos transportes públicos a implantação de medidas como estas são imprescindíveis.

E o estabelecimento de parcerias com instituições de ensino e pesquisa públicas da região para realização de estudos e diagnósticos que fundamente a (re)formulação de programas e políticas públicas com vistas a superação da pobreza, do racismo, da violência, em especial a de gênero na região.

(BP): Há algo que a senhora gostaria de abordar que não foi perguntado por mim?

 (VRS): A questão da democratização dos bens e meios de produção exige uma nova ética que na visão do Papa Francisco, e nossa também, deve resultar na garantia dos direitos dos povos do campo (acampados, assentados, assalariados do corte da cana, pequenos agricultores, comunidades quilombolas e de pescadores,…), pois, recursos naturais como a terra e a água tem importância fundamental não só para suprir as necessidades de sustento, mas também dá sentido aos seus modos de vida. Portanto, o campo não pode ser reduzido a um espaço de produção agrícola, pois é principalmente lugar de reprodução da vida!

Assim, reafirmamos nosso apoio às demandas dos (as) camponeses (as) inscritos na carta política da XV Romaria da Terra e das Águas, que ocorreu às margens do rio Paraíba em julho de 2016, sendo expressão de fé, da confiança em nossa gente e na justiça de suas causas. Sob a bênção Divina esperamos que as ações estruturais a essa transformação seja assumida urgentemente pelo governo municipal de Campos e por todos (as) aqueles (as) comprometidos com a construção de uma sociedade mais justiça, fraterna, sustentável social e ambientalmente!

Fonte: Blog do Professor Marcos Pedlowski

Alerj

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